domingo, 5 de julho de 2009

Ágora (72) - O painel de Neves de Sousa não sabe voar









Há cinquenta anos que vou seguindo atentamente, tudo o que se vai passando no aeroporto internacional de Luanda, que já foi “Craveiro Lopes”, “Bela” e actualmente 4 de Fevereiro.
O aeródromo Emílio de Carvalho, apesar de ver acrescentada uma pista, já não oferecia segurança aos Skymasters, nem tão pouco poderiam permitir a aterragem dos Super Constelation , os mais virtuosos aviões a hélice que havia nos anos 50. Emílio de Carvalho, foi um tenente de cavalaria, diletante dos aviões, que faleceu num desastre nocturno de aviação em 13 de Novembro de 1924, numa modesta pista de aviação em Luanda. Foi o pioneiro dos raids aéreos entre Luanda e Leopoldeville, hoje Kinshassa.
Voltando ao aeroporto internacional 4 de Fevereiro, que ou desde a sua inauguração tem uma particularidade interessante: Ou anda em obras de beneficiação ou ampliação, ou precisa de obras de ampliação ou beneficiação!
Desenhado por Keil do Amaral e pelo luandense Fernando Lopes Simões de Carvalho, podemos dizer que era um excelente edifício, para os tempos em que a aviação comercial era elitista, e naturalmente com poucos aviões a chegarem e a partirem, sem que houvesse pois necessidade de grandes espaços.
Apesar de tudo o aeroporto dispunha de uma excelente sala de embarque, e de uma pequena sala de saída, quase tudo no que está hoje disponibilizado, como sala para as formalidades de embarque de passageiros.
Nesse espaço, está o verdadeiro ex-líbris do aeroporto de Luanda. Um painel com 345 m2 em grafite, que pouca gente olha com atenção, principalmente desde que fecharam o terraço ao cimo das escadas onde se encontra a sala do protocolo de Estado.
Este painel notável, em que está desenhado um conjunto de referencias aos povos e etnias de Angola, Neves de Sousa faz uma homenagem às gentes e também à sociedade crioula de Luanda. É provavelmente a obra mais emblemática que Neves de Sousa tem em Angola, embora haja muito trabalho dele espalhado por todo o País, mas nenhum tem esta dimensão, nem uma mensagem tão arreigada aos valores da terra como tem este.
Resolvi fazer este texto, porque realmente vi que o aeroporto anda novamente em obras, para quando acabarem se der conta que precisa novamente de novos trabalhos, já tem sido essa a sua sina, e fiquei preocupado por não ter visto um cuidado suplementar para preservar o mural de Neves e Sousa, nem tampouco cobri-lo de forma a acautelar alguns pingos de cal ou tinta que lhe caiam em cima, de forma involuntária obviamente.
Claro que nem sequer me passa pela cabeça, que o painel seja removido do lugar, como já tem acontecido com outros locais classificados, como tem sido recorrente ultimamente. Podendo, numa hipótese meramente académica ser uma ideia peregrina em alguém que decida sobre estas coisas, só me resta lamentar que a estultícia por vezes não tenha limites no aceitável, o que permitiria pelo menos evitar que males maiores pudessem acontecer, o que não tem sido o caso.
Desculpem este lembrete, mas quando vejo obras ao pé de certas coisas, algo me diz que alguma coisa boa vai desaparecer, e disso é que tenho receio, e também por isso lembro a tempo e horas, se é que vale alguma coisa.

Fernando Pereira 11/05/09

Pensar e Falar Angola

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