Houve final da taça de Portugal, e o “meu” Futebol Clube do Porto ganhou!
Não é por causa da vitória do Porto que hoje vou escrever, porque se o fizesse cada vez que os “Dragões” ganhassem era crónica sim, crónica sim, e a coisa monotonizava-se.
Há quarenta anos, houve talvez a final mais importante de todo o desporto português, e como dizia o saudoso Carlos Pinhão, a final de 1969 foi transformado “num dos maiores comícios de sempre contra a ditadura”. “No topo do Jamor, as bandeiras da Briosa e os cartazes de incentivo a esta, alternam com dísticos onde se pode ler: 'Ensino para todos'; 'Melhor ensino, menos polícias', 'Universidade livre'”, e na tribuna do estádio, nem sinal do Chefe de Estado, nem do então ministro da educação, o historiador José Hermano Saraiva, entidades que era habitual comparecerem por motivos protocolares.
Os jogadores da Académica, entraram em campo com as capas descaídas sobre os ombros, solidários com a luta que se desenvolvia em Coimbra, e no topo sul do estádio um imenso pano negro, com o emblema da Associação Académica e uma tarja branca por cima, claros sinais de luto académico.
Como toda a gente dizia antes do jogo, o resultado era o que menos interessava, mas o golo do Eusébio que deu a vitória ao Benfica, permitiu mais uma vez que o regime respirasse de alívio, pois a vitória da Académica teria aumentado a contestação.
Eusébio não percebeu o que se passava nesse jogo, que até à última da hora esteve com o espectro da falta de comparência dos “estudantes de Coimbra”, estando o Sporting de prevenção, numa clara demonstração do alinhamento dos clubes de Lisboa para com o regime do Estado Novo. Não houve transmissão televisiva, de forma a não ampliar a dimensão da manifestação. “Sabíamos que transportávamos o futuro nas camisolas e tínhamos a consciência que estávamos a dar visibilidade à crise”, disse José Belo, então defesa da Académica.
Citando o incontornável jornalista Batista Bastos, “foi assim, foi muito mais do que assim”, podemos dizer que de facto o jogo não interessava mesmo nada.
Já que se fala da Associação Académica de Coimbra, e da sua secção de futebol, devo aproveitar o ensejo para falar de outros conterrâneos nossos que por lá passaram, e que participaram também noutras lutas, que a nós angolanos nos dizem mais respeito.
Apesar de na Académica terem jogado muitos angolanos, ao longo de anos e em períodos diferentes desde o antigo director do “Jornal do Congo”, Borja Santos, Serra Coelho, Couceiro, o meu amigo Manuel de Faria Vieira Lopes (Manecas), estes já falecidos, Torres (obstetra reformado em Coimbra), Camilo, Raul Águas, Garnacho, Alberto Cruz, Prado, Manuel Maria Inácio, Óscar Almeida , Akwá, e outros, há um conjunto de uns quantos, que se notabilizaram na libertação de Angola e no seu dealbar organizativo enquanto país independente.
Dizia o Dr. Eduardo Macedo dos Santos, falecido em 2001, que “tinha ganho o curso de medicina com estes” enquanto apontava para os dois pés. Obviamente que nunca o vi jogar, já que ele entrou na 1ª equipa da Académica em 1946/ 47, e deixou o clube no fim da época de 1952/53, com o curso de medicina concluído, e deixando uma saudade enorme entre os seus colegas de equipa.
O Dr. Eduardo Macedo dos Santos, que tive o gosto de acompanhar nas lides desportivas, enquanto ele ocupou o cargo de presidente da FAF, aliás primeiro presidente, tinha detalhes deliciosos, como o de rejeitar liminarmente qualquer antigo guarda-redes para treinador de uma equipa de futebol, com o argumento que “enquanto jogador só percebia de táctica até aos quatro jogadores que estão à sua frente, os defesas, porque o resto do campo não via” ou que “ festejava um golo sozinho” ou ainda que “para ele o zero zero era um resultado perfeito, pois tinha cumprido a sua parte do trabalho”.
Era uma pessoa aguerrida, loquaz, de convicções fortes, extraordinariamente fiel aos seus princípios, um dos primeiros do MPLA, fundador com Hugo de Menezes o CVAAR- Centro Voluntário de Assistência aos Angolanos Refugiados, onde integra outros médicos angolanos, como Manuel Videira e Edmundo Rocha.
Homem de roturas, quando ele as julgava necessárias, sem andar a escolher os momentos “politicamente mais apropriados”, acabou por integrar a “Revolta Activa”, o que lhe valeu alguns amargos de boca, em momentos em que o radicalismo era quotidiano político de um MPLA, numa busca obstinada de uma matriz de referência política e ideológica, ainda hoje pouco afirmativa. Médico pessoal de Agostinho Neto, primeiro director da faculdade de medicina da Universidade de Angola (depois Agostinho Neto), cardiologista emérito, foi embaixador de Angola na fase final de” uma vida sempre em luta contra as defesas contrárias”, como já acontecia nos seus tempos da “Académica”.
(CONTINUA)
Fernando Pereira - 5-06-2009
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