Lembro na Académica o hoje insigne causídico, Diógenes Assis Boavida, que jogou entre 1950 a 1952, antigo ministro da justiça da Republica Popular de Angola, num longo período.
Com o eclodir da greve académica de 1962 em Coimbra, na esteira da contestação aos efeitos do célebre decreto 40900, que andava em bolandas desde 1956, que limitava os direitos associativos dos estudantes, a Académica tem pela frente mais um desafio, num apelo à solidariedade com a luta contra a proibição da comemoração do Dia do Estudante, e à perseguição, destituição e prisão de estudantes presos.
Os jogadores da Académica deixam de treinar, algo que acontece duas semanas, um jogo é adiado “à força”, e o estádio é ocupado pela polícia. O ministro adia o jogo entre a Académica e o Beira-Mar, mas começava a ser um braço de ferro difícil de manter pois a intransigência dos jogadores era grande, na defesa dos seus eleitos, entretanto substituídos por uma comissão administrativa nomeada de contornos políticos claros de alinhamento com a extrema-direita salazarista.
O jogo seguinte era contra o Sporting, e a dimensão de um adiamento iria naturalmente ter outras proporções, pelo que o capitão Mário Wilson é chamado à comissão administrativa, onde se lhe pede para que a Académica jogue dois dias depois desse 18 de Maio de 1962. Ele diz que tem que falar com os colegas, que aceitam jogar, embora mantendo o protesto. Nessa noite, Daniel Chipenda (que tinha vindo do Benfica), França (que tinha vindo do Sporting), e o moçambicano José Julio, fogem de Coimbra já com a PIDE no seu encalço, levando também Araujo a seguir o mesmo caminho uns dias mais tarde.
Todos conhecemos os seus percursos enquanto cidadãos e militantes anti-colonialistas. José Araujo( jogou de 1958 a 1962), doutorou-se em geologia na Universidade de Berlim, e depois da independência foi Director Nacional de Geologia e Minas e durante muitos anos presidente do Comité Olímpico de Angola. Daniel Chipenda (jogou de1958 a 1962), com todo um percurso militar e político conhecido, acabou por falecer em 1996, depois de ter desbaratado um capital político enorme, conseguido numa luta armada onde foi brilhante comandante. António França (jogou de 1960 a 1962), hoje general Ndalu, foi membro do bureau político do MPLA, e é hoje um bem sucedido homem com um capital político assinalável, e boas relações no mundo dos negócios. Ndalu ainda representou a selecção cubana de futebol em jogos internacionais.
Para este artigo, que terá algumas omissões e quiçá mesmo algumas pequenas inverosimilhanças, é uma pequena homenagem e a lembrança de que foram gente com carácter e de posições políticas coerentes “dos pés à cabeça”.
Já agora a título de curiosidade, foi a Académica que venceu a 1ª Taça de Portugal, ao vencer o Benfica, em 25-6-1939, com vitória por 4-3.
Este artigo foi feito com recurso a testemunhos de várias pessoas que fui conhecendo, a histórias ouvidas e repetidas, e a ajuda preciosa do magnífico livro do meu saudoso amigo João Mesquita, jornalista que nos deixou há meio ano, que em colaboração com o professor João Santana, fizeram um livro de título “Académica, a História do Futebol”, editado pela Almedina.
Fernando Pereira 30/05/09
Sem comentários:
Enviar um comentário