por Marcelo Bittencourt
A ÚLTIMA TENTATIVA DE INTERVENÇÃO BRASILEIRA
No início dos anos 70, o governo brasileiro tenta interceder junto a Portugal no sentido de se buscar uma solução negociada com os movimentos de libertação das colônias portuguesas na África.
Segundo José Flávio Saraiva, essa iniciativa se passa no correr dos “anos dourados da política africana do Brasil”, quando a dimensão atlântica da política externa brasileira ganhou força, associando o projeto nacional-desenvolvimentista à busca por novos mercados, tendo especial atenção ao petróleo africano. Tudo isso embalado por um discurso culturalista de ligação à África que já de longa data estava presente nos comunicados do Itamaraty (SARAIVA, 1996, p. 128).
Os laços comerciais seriam efetivamente estabelecidos, com a viagem do ministro das Relações Exteriores Mario Gibson Barboza a nove países africanos, entre outubro e novembro de 1972. No entanto, o estreitamento dessas relações seria logo de início marcado pela ressalva africana quanto à posição até então demonstrada pelo Brasil de apoio à política colonial portuguesa.
Do lado brasileiro, esse tema ultrapassava o Ministério das Relações Exteriores e alcançava o Congresso Nacional e a imprensa. O lobby português era forte e presente em vários setores – nos partidos políticos, nos jornais e nas associações empresariais luso-brasileiras.
Ainda assim, em fins de 1972 o Itamaraty já tinha se definido pela aliança com a África Negra. Não havia como cortejar novos aliados no continente vizinho, sem romper com o apoio à política colonial portuguesa, tendo o petróleo africano exercido um papel decisivo nessa opção (SARAIVA, 1996, p. 170).
Em seu livro Na Diplomacia, o Traço Todo da Vida, Mario Gibson Barboza – diretamente envolvido no centro dessas negociações – relembra as duras disputas no interior do próprio governo brasileiro a respeito de que posição tomar quanto ao colonialismo português. O General Ernesto Geisel, então presidente da Petrobrás, defendia uma união com Portugal na exploração do petróleo angolano, enquanto o poderoso ministro da Fazenda Delfim Netto planejava penetrar na África através das “províncias ultramarinas portuguesas”, já que o governo português oferecia vantagens nesse sentido.
Ainda em 1973, foi necessária uma nova intervenção de Gibson Barboza. Dessa vez, o Brasil pretendia vender o veículo blindado Urutu a Portugal, que obviamente seria utilizado para reprimir a guerrilha na África (BARBOZA, 1992, p. 244-53). Mais uma vez, prevaleceu a idéia da separação entre o Portugal metropolitano e o colonial. Definitivamente, o comércio brasileiro com o continente africano, capitaneado pelo petróleo nigeriano, passava a ditar o pragmatismo diplomático em relação ao colonialismo português.
Segundo Gibson Barboza, a intervenção mais direta brasileira junto a Portugal ocorre em janeiro de 1973, quando ele se encontra com o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Rui Patrício, em Roma, dois meses após o périplo do brasileiro pelo continente africano. Gibson Barboza teria alertado Rui Patrício para a impaciência de alguns chefes de Estado africanos com a guerra colonial, principalmente na Guiné-Bissau, e que estes estavam considerando a possibilidade de uma intervenção armada.
O recado seria acompanhado da ameaça de que, na persistência do imobilismo da situação, o Brasil votaria contra Portugal na ONU. Diante disso, o governo português cede e Rui Patrício diz estar disposto a encontrar-se com chefes de Estados africanos (BARBOZA, 1992, p. 263-4).
O Brasil, então, inicia os preparativos e contacta a Costa do Marfim, o Senegal, o Quênia, o Zaire e a Nigéria. Todavia, quando o governo brasileiro sugeriu que representantes dos movimentos guerrilheiros fizessem parte das delegações dos países africanos, Portugal se afastou da iniciativa. Como forma de pressão, o Brasil se abstém em duas votações condenatórias a Portugal na ONU, em dezembro de 1973, e recebe como resposta uma entrevista do chefe de governo Marcelo Caetano ao jornal O Globo, no mesmo mês, na qual ele se oferece como mediador entre o governo brasileiro e a guerrilha que se instalara no Brasil (SARAIVA, 1996, p. 173). Estavam encerradas as negociações.
Logo em seguida, ocorre o 25 de Abril, o acordo de cessar-fogo entre as Forças Armadas portuguesas e os movimentos de libertação angolanos em 1974, o confronto entre os três grupos independentistas angolanos – MPLA, FNLA e UNITA (União para a Independência total de Angola, fundada em 1966) –, a declaração de independência do MPLA e o reconhecimento brasileiro à independência de Angola.
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