O historiador Marcelo Bittencourt, em seu artigo publicado no livro Brasil-África:como se o mar fosse mentira, organizado por Rita Chavez, Tânia Macedo e Carmem Lucia Tindó, , tece importantes considerações sobre as relações históricas entre Angola e Brasil. O livro foi publicado pela Imprensa Universitária/Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, Moçambique, no ano de 2006. O artigo de Marcelo Bittencourt inscreve-se na esteira dos estudos que reescrevem a historiografia brasileira.
Por Marcelo Bittencourt
INTRODUÇÃO
O estudo das relações entre Angola e Brasil sempre sofreu as conseqüências do pouco interesse acadêmico brasileiro pela margem oposta do Atlântico, postura que tem sido alterada significativamente na última década. Os projetos multinacionais que buscam percorrer as rotas do tráfico de escravos e as fontes de financiamento daí decorrentes parecem ter trazido novo ímpeto à pesquisa histórica sobre as conexões estabelecidas entre o continente africano e as Américas.
No entanto, mesmo assim, a grande maioria dos estudos sobre as relações entre Angola e Brasil – quer sejam os poucos trabalhos publicados anteriormente, quer as novas contribuições surgidas nos últimos anos – ainda se concentra no período de contato mais intenso, violento e de longa duração: o tráfico de escravos. No terreno da contemporaneidade, poucos fatos têm correspondido aos desejos de aproximação de uma grande parte da população brasileira, e uma das exceções que também têm chamado a atenção dos nossos pesquisadores é o reconhecimento pelo governo brasileiro, à época emoldurado pela ditadura militar e capitaneado pelo General Ernesto Geisel, da independência de Angola, em 11 de novembro de 1975, sob a bandeira do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), na ocasião identificado com o ideal socialista.
O objetivo deste texto é justamente apontar outros momentos em que se estabeleceram contatos ou referências entre essas duas margens atlânticas. Evidentemente, tal proposta não implica o esquecimento quanto à necessidade ainda existente de aprofundar as pesquisas referentes ao tráfico de escravos, ciente, inclusive, de que muitos desses trabalhos ainda não conseguiram ultrapassar as fronteiras dos programas de pós-graduação. No tocante a esse tema, cabe enfatizar a escassez de análises sobre as conseqüências do tráfico para a região que posteriormente seria conhecida por Angola.
Vale lembrar que a demanda imposta pelo comércio de escravos levaria à reestruturação das unidades políticas existentes no interior da região Congo-Angola, mercantilizando a escravidão e alcançando novos níveis de expansão territorial. Nova crise se instalaria, em meados do século XIX, em função do fim do tráfico atlântico e da quebra das cadeias comerciais baseadas na escravidão, o que facilitaria, em alguns casos, a penetração colonial posterior.
Porém, como afirmado anteriormente, a preocupação essencial deste texto é apresentar as conexões, pouco ou nada conhecidas, que se estabeleceram entre Angola e Brasil no período que se estende entre o fim do tráfico de escravos e a independência angolana. Em virtude da característica inventariante do trabalho, ressalte-se que muito do que será apresentado já fora alvo de preocupação e mesmo de redação mais aprofundada em outros trabalhos.
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