O luso-tropicalismo
Nos anos 50, observa-se outra das conexões entre Angola e Brasil. O governo colonial português, adotando uma visão preventiva quanto às conseqüências libertadoras das independências que se sucediam no continente africano, passa a enaltecer o discurso luso-tropicalista de Gilberto Freyre. A proposta buscava XXXX desestabilizar a movimentação dos pequenos grupos urbanos com pretensões anticoloniais, XXXX especialmente em Angola.
Teoricamente, com o reforço da idéia assimilacionista, surgiriam novas possibilidades de reerguimento dos indivíduos mestiços e negros, principalmente os descendentes da crioulidade, detentores de uma maior intimidade com o meio urbano.
Evidentemente, não irá ocorrer uma reedição do cenário favorável à cultura crioula, pois este se prende a um contexto específico, fruto de implicações sociais e econômicas. O colonialismo português, nessa nova fase, não pretendia ultrapassar a fase propagandística de tal política. Tratava-se apenas de utilizá-la defensivamente num momento em que o domínio português sobre as províncias ultramarinas passava a ser questionado internacionalmente de maneira mais incisiva.
Esse foi o papel dispensado às argumentações freyrianas sobre a família patriarcal portuguesa e sobre a forma peculiar de ser e estar do português no mundo, em especial nos trópicos. Consistiria também numa ideologia para consumo interno. Isto é, uma tentativa de elevação do baixo prestígio nacional. Adriano Moreira esclarece, com recorrentes citações à obra de Gilberto Freyre, tal apropriação, principalmente no seu trabalho intituladoEnsaios, não por acaso publicado pela Junta de Investigação do Ultramar, onde assegura:
“Tem por isso razão o grande sociólogo Gilberto Freyre quando oportunamente repara que na obra de Toynbee, ao estremar e classificar as civilizações, falta a consideração desta forma peculiar de estar no mundo que afortunadamente designou por luso-tropicalismo (…) E foi sem dúvida esta concepção de vida igualitária, de democracia humana, a contribuição mais significativa da acção portuguesa no mundo para a valorização do homem. Uma acção no mundo absolutamente alheia à idéia de conflito e de domínio, ao sentimento de superioridade e inferioridade racial, ao esquema simplista da dialética entre a agressão e a resposta.” (MOREIRA, 1963, p. 13.)
As extrapolações das teses de Gilberto Freyre cresceram à medida que se fazia necessário aumentar o poder de argumentação de defesa das chamadas províncias ultramarinas. É interessante notar, de parte das autoridades coloniais portuguesas, não só a utilização recorrente do Brasil como exemplo da “capacidade” lusitana em criar “sociedades multirraciais”, mas também o esforço em transformar essa “característica” do colonialismo português – a “multirracialidade” – em direito à manutenção de suas colônias.
A legislação resultante dessa nova postura luso-tropicalista, evidentemente, não implicou o fim da discriminação racial. Pelo contrário, ao agravar a disputa econômica, principalmente com os chamados “pequenos brancos”, acabou por fomentar atitudes racistas por parte destes, o que estimulou uma resposta também de cunho racial dos nacionalistas, que estavam envolvidos no processo de conscientização da população contra os ditames coloniais.
A nova propaganda luso-tropicalista ocorria paralelamente a um crescimento do número de portugueses que escolhiam Angola como local para viver e, claro, enriquecer. Essa ambição estava associada às oportunidades que passaram a surgir em fins da década de 40 e início da década de 50, com o crescimento, principalmente, da produção de café. O dado interessante é que esses brancos possuíam baixa escolaridade, o que numa pretensa política “multirracial” aproximaria as possibilidades entre brancos, negros e mestiços. Em 1950, quase a metade dos brancos em Angola nunca freqüentara a escola e menos de 17% tinham ido além da quarta classe. Mesmo assim, as oportunidades de trabalho “teimavam” em não aparecer para negros e mestiços.
Dentro do espírito de sua política luso-tropicalista e tentando dar uma resposta de imediato ao início da luta pelos movimentos de libertação angolanos em 1961, o governo português decretou, em setembro desse mesmo ano, o fim do sistema do indigenato, abolindo a distinção entre “civilizados” e “não-civilizados”. Criaram-se também organismos administrativos africanos e alargou-se o regulamento de propriedade da terra. Todavia, a promulgação do decreto pouco alterou a vida dos negros e mestiços, que então poderiam, pela ausência de barreiras legais, matricular-se no ensino superior, ocupar posições elevadas no governo, freqüentar restaurantes e morar em bairros luxuosos. O longo período de expropriação a que eles haviam sido expostos impedia-os de agora usufruir da igualdade jurídica. Os poucos que conseguiram tal feito eram em número tão irrelevante que só confirmavam a discriminação.
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