sexta-feira, 21 de agosto de 2009

“As relações Angola-Brasil: referências e contatos” (IX)

“As relações Angola-Brasil: referências e contatos”, por Marcelo Bittencourt



Próximo do problema

A importância do Brasil no caso das colônias portuguesas não era observada apenas pelo governo de Salazar. Segundo Roberto Campos, na altura embaixador do Brasil em Washington, ele e San Tiago Dantas, ministro das Relações Exteriores, teriam tido um encontro no Departamento de Estado americano, em 1962, a fim de tratar do caso de Angola.

A proposta norte-americana era de que o Brasil deveria assumir a posição de mediador do problema. De acordo com Saraiva (1996, p. 86-7), o Brasil não demonstrou interesse em se intrometer num conflito armado. Além do mais, já naquele momento, nossa política externa estava em rota de colisão com a dos Estados Unidos em alguns temas importantes. Tais fatores teriam pesado decisivamente no desinteresse brasileiro em responder à proposta norte-americana.

O MPLA no Brasil

Acuado militarmente pelas tropas portuguesas, fragilizado com as acusações da FNLA e sem a possibilidade de, em curto espaço de tempo, preparar operações militares de vulto, impedidas pela carência logística e pelo controle da FNLA sobre a fronteira norte de Angola, restava ao MPLA investir na propaganda de suas idéias e nas relações internacionais.

Além das representações junto aos diversos governos que apoiavam a idéia de uma Angola independente, o movimento buscou também a ajuda de partidos políticos e intelectuais nos mais distintos países, a fim de que estes mobilizassem a opinião pública de modo a forçar os seus respectivos governos a pressionarem o regime português no sentido de negociar com o movimento de libertação.

No Brasil, essa estratégia teria redundado, entre outros fatores, na criação do Movimento Afro-Brasileiro de Libertação de Angola (Mabla), responsável pela organização de manifestações a favor da independência angolana, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, e apoiado em grande medida pela militância do “movimento negro”.[7]

Também no meio acadêmico, a questão angolana receberia atenção de figuras conhecidas do cenário nacional, como Aurélio Buarque de Hollanda, Caio Prado Júnior, Edson Carneiro, Florestan Fernandes e Josué de Castro, incentivadores de um comitê de solidariedade ao povo angolano na sua luta pela independência.

O ambiente de agitação política existente no Brasil favorecia a penetração e o acolhimento da idéia de independência para Angola, em especial as ações defendidas pelo MPLA. É assim que o movimento consegue estabelecer a ligação com uma rede de apoio formada por brasileiros e angolanos que estudavam no Brasil, ambos empenhados na divulgação da luta levada adiante pelo MPLA contra o colonialismo português e na tentativa de obter auxílio para o movimento.

Para além da pressão sobre as autoridades governamentais brasileiras, um dos grupos de apoio ao MPLA sediado no Brasil, contando com a presença, dentre outros, dos angolanos José Lima de Azevedo e José Manuel Gonçalves e dos brasileiros José Maria Nunes Pereira e Fernando Mourão, buscou alargar seus contatos no meio sindical, através de nomes de peso da política nacional, como os deputados Leonel Brizola e Osvaldo Pacheco da Silva.

Com essa ligação, o grupo ambicionava concretizar ações de boicote a produtos portugueses desembarcados nos portos brasileiros. As negociações já estavam avançadas quando o clima político brasileiro passa a sofrer oscilações ainda mais agudas e o fechamento político se estabelece no país (O Globo, 24-9-1964).

O golpe militar de 1964 deitaria por terra outras iniciativas em fase de elaboração, como a de obter o apoio do Itamaraty para o transporte, pela Força Aérea Brasileira, de medicamentos para os homens do MPLA e a tentativa de boicote às transferências monetárias realizadas pela vasta colônia portuguesa residente no Brasil.

Logo em seguida, seriam detidos os principais articuladores dessa rede, sob a acusação de “agitadores comunistas internacionais”, só retomando a liberdade meses depois, fruto da mobilização dos amigos e das embaixadas africanas no Brasil. Os angolanos do grupo, no entanto, seriam “despachados” para alguns países africanos.

Uma última ação de apoio ao MPLA e que seria inviabilizada em conseqüência do golpe nos foi contada por Fernando Costa Andrade, militante do MPLA que chega ao Brasil em 1962 para se juntar a esse grupo, concentrando suas atividades em São Paulo, já que os demais, à exceção do professor Fernando Mourão, estavam sediados no Rio de Janeiro.

Além da atividade de divulgação dos problemas enfrentados pela população angolana nos jornais O Estado de São Paulo, Jornal do Brasil e Última Hora, Fernando Costa Andrade procura reforçar os laços políticos em Brasília, já atados pelo grupo do Rio de Janeiro. É assim que tem acesso ao Ministro das Relações Exteriores Afonso Arinos e ao chefe da Casa Civil do governo João Goulart, Darci Ribeiro, por cujo intermédio seria organizado um encontro com a primeira-dama, Teresa Goulart.

A partir de então, desenvolve-se um plano de ajuda ao MPLA que consistiria no envio de um navio até Pointe Noire, no Congo-Brazzaville, com material escolar, alimentos e medicamentos. No entanto, os acertos iniciais para a operação ocorreriam em 23 de março de 1964. Obviamente, o golpe militar no Brasil faria gorar mais essa iniciativa.

A detenção de Costa Andrade – atualmente deputado do MPLA – pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), sob a mesma acusação de “agitador comunista”, ocorreria no dia seguinte ao golpe militar, em 1º de abril de 1964. Com a ajuda de amigos brasileiros e alguns intelectuais que realizaram forte pressão sobre os chefes militares, em especial Júlio de Mesquita Filho, do jornal O Estado de São Paulo, que interveio junto aos responsáveis das Forças Armadas em São Paulo, seriam soltos Costa Andrade e sua companheira, mas sem que se conseguisse evitar acontecimentos dramáticos para o casal.

Esses mesmos amigos ajudariam a pagar uma passagem de navio para a Itália. É assim que, em virtude da alteração do cenário político brasileiro, a crescente atividade do MPLA no Brasil, com potencialidades muito amplas e favoráveis ao movimento, seria paralisada.

Evidentemente, também os angolanos e seus companheiros brasileiros, representantes da luta do MPLA no Brasil, sofreriam com a tortura. Logo após o golpe militar, os principais envolvidos na divulgação e na busca de apoio para a luta angolana seriam detidos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Para além do caso de Costa Andrade, temos o relato de outro angolano. José Lima de Azevedo, uma das vítimas angolanas desse processo, descreveria as brutalidades sofridas, identificando ainda seus agressores, em relatório entregue ao jornalista Márcio Moreira Alves, que tempos depois publicaria trechos do documento no livro Torturas e Torturados.

Vale destacar a presença de um agente da Pide, de nome Passos, em toda essa ação, presença noticiada inclusive no jornal Última Hora, além dos agentes brasileiros do DOPS e do CENIMAR (Centro de Informações da Marinha).

As prisões se iniciaram em 1º de abril de 1964 e os envolvidos começariam a ser libertados a partir de fins de agosto do mesmo ano. Alguns pediriam asilo em embaixadas e outros seriam expulsos do país (ALVES, 1966, p. 183-90). Um dos detidos, o professor José Maria Nunes Pereira, posteriormente teria acesso às conclusões do Inquérito Policial-Militar do Grupo Angolano e nos forneceu uma cópia desse documento.

CONTATOS NO EXÍLIO

Muitos foram os contatos surgidos entre exilados dos dois países a partir de finais dos anos 60, tanto em solo europeu, quanto africano (nesse último caso, em especial na Argélia). A título de exemplo, pode ser destacada a utilização dos trabalhos de Paulo Freire pelo MPLA.

Adolfo Maria, antigo colaborador do Centro de Estudos Angolanos, que na Argélia atuava no apoio ao MPLA, conta que os manuais de alfabetização do movimento angolano tinham sido preparados por seu grupo em Argel. E que o material apoiava-se na experiência cubana e no método de Paulo Freire.

Para tanto, valeram-se dos contatos com brasileiros em Argel, entre os quais Miguel Arraes. Adolfo Maria defende que, apesar de premiada pela Unesco – Prêmio Nadejda Krupskaya, em 1972 –, a campanha de alfabetização fugira aos moldes do que se havia pensado inicialmente, atingindo um público muito menor do que o esperado (entrevista com Adolfo Maria, Lisboa, 27 e 28 de maio de 1999).



Pensar e Falar Angola

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