Na segunda metade dos anos setenta, Lisboa foi inundada por uma panóplia de títulos, em que invariavelmente, os temas eram o ódio visceral ao MPLA e a incitação ao linchamento de Rosa Coutinho e a de outros elementos do MFA!
Nenhum desses livros, é particularmente importante para se retirar algum detalhe importante para a história de Angola, ou até mesmo para memória futura da “descolonização”. Os armazéns de distribuição ficaram pejados de inutilidades, que mais tarde acabaram vendidos para reciclagem. Pela minha parte só lamento, o tempo que perdi a ler tanto desperdício de papel e tinta.
Com o passar dos anos, para os portugueses que deixaram Angola em 1975, e os que acidentalmente lá nasceram, a palavra “retorno” foi perdendo significado. Os devaneios literários das pessoa, passaram para um quotidiano de trabalho e de vida, onde cada vez menos tinha lugar a palavra “saudade”.
Há uns poucos anos a esta parte, mercê de inovadoras formas de comunicação, de reencontros possibilitados pelo acesso generalizado da internet, assistimos ao renascer de um novo surto da literatura de “Aquém e Além-mar e África”, e de um momento para o outro, os escaparates das livrarias voltaram a ter livros, com textos ligados a uma pituitária emocional, impregnada pelo “cheiro da terra vermelha molhada”.
“Retornados” de há trinta e cinco anos, ou seus descendentes com algumas imagens difusas da terra que largaram em condições particularmente desagradáveis, voltam de pena afiada a produzirem livros. São menos ideológicos, romanceados e polvilhados aqui e ali por imagens, que se encontram com mais facilidade em brochuras turísticas de domínios exóticos, ou no imaginário de algumas pessoas, frutos de sonhos de anos, do que a realidade do que aconteceu ou do que existe, e que afinal não está tão destruído como durante anos lhes foi pintado.
Recentemente saíram pela Oficina do Livro, “A Balada do Ultramar” do jornalista Manuel Acácio ; A reedição desta vez pela editorial Cristo Negro, “Os retornados, o Adeus a África” do médico António Trabulo; O “Lobito” de Antonio Mateus, editado pela “Guerra e Paz”. Este conjunto de livros não merecem grande comentário, porque não me despertaram alguma emoção quando os li.
Simultaneamente apareceu, editado pela “ Saída de Emergência”, com o título “Angola a Ferro e Fogo”,de um tal Gerard de Villiers, que é um romance no mínimo absurdo. É uma tentativa medíocre de imitar Laterguy, polvilhada aqui e ali com um misto de “África Adeus” com os “Jogos Africanos” do Jaime Nogueira Pinto. Mais uma vez, penso que quem evitar a sua leitura, será mais feliz que eu, que o tive que ler, para escrever e dar esta minha benevolente opinião.
No meio disto tudo, e quando começava a desesperar, tive uma magnífica surpresa, que é o interessante livro da jornalista free-lancer,Ana Sofia Fonseca, “Angola Terra Prometida” , editada pela “Esfera dos Livros”, graficamente muito bem concebido, em que a capa indicia claramente a forma como se vão desenrolando textos, fotos e anúncios diversos ao longo da obra.
Quando adquiri o livro, confesso que o fiz com alguma reserva, pois esperava mais do mesmo, mas à medida que avançava na leitura, as reservas iniciais iam-se rapidamente dissipando, já que a escrita é absorvente e muito bem contextualizada no tempo e também no modo.
Ao longo de trezentas e tal páginas, a autora fala com portugueses, mas levanta o biombo, que muitos deles se esqueceram de espreitar, durante os anos que viveram em Angola, e que tinha a ver com a segregação, e que é salientada no livro, sem atavismos de natureza ideológica ou necessidade de algum exercício de expiação. “ A vida que os portugueses deixaram”, foi fruto de um belíssimo trabalho das autoridades coloniais que no cínico e aparente diáfano da linguagem do “muitas raças, muitos povos, uma só nação”!
Uma coisa a reter no livro, tem a ver com o denominador comum da saudade dos entrevistados, que ao tempo do desenlace com Angola eram jovens, solteiros ou casadinhos de fresco, e sem saberem quão sofrida a sua vida. Também isso muda tudo, pois todos invariavelmente temos alguma saudade do nosso passado de juventude, quer se viva em Angola, Portugal, Brasil ou Nepal. Eu próprio, que partilho a opinião do José Gomes Ferreira, de que “tenho saudades é do futuro”, não escondo alguma emoção quando recordo algumas coisas de um tempo ido que só teve muito de bom, porque era jovem, já que de qualquer forma irrepetível, e ainda bem!
Merece ser comprado, mas que ninguém espere um “livro militante”.É acima de tudo um brilhante e sério trabalho de uma jornalista ainda pouco mais que debutante, que iremos começar a olhar com atenção.
Sem comentários:
Enviar um comentário