sábado, 16 de maio de 2009

Porque se refere ao Ágora (64)

No "Novo Jornal" de 15 de Maio de 2009, foi publicado uma extensa carta sobre o artigo, por parte do Engº Aires de Menezes Assis, que transcrevo na integra:
Exm.º Sr. Fernando Pereira


Tendo lido a sua coluna, ÁGORA, do
Novo Jornal, do dia 17/04/09, cujo título
é “Sobrados de Luanda II”, e não
concordando com o modo como são
lá abordadas algumas das questões
que dela fazem parte, venho por meio
desta tecer alguns comentários, relativamente
ao pouco que sei sobre as
mesmas. Sei que este texto é bastante
grande para uma só edição, mas agradecia
que o publicassem, na sua totalidade,
mesmo que de forma repartida.
- Segundo, Jared Diamond, antropólogo
Norte-Americano que publicou
uma obra bastante interessante, ”Armas,
Germes e Aço - Os destinos das
Sociedades Humanas” – Editora Relógio
de Água, das quatro (4) grandes
descobertas da humanidade, o fogo, a
agricultura, a roda e a escrita, os povos
bantus desconheciam as duas últimas
e só delas tomaram conhecimento,
com a chegada dos colonizadores
europeus. Só começaram a utilizá-las
muitos anos após essa chegada e por
influência destes. Isso não significa
que não contassem a tradição oral, os
acordos e leis verbais, que tinham mais
valor que qualquer papel escrito que se
começou a utilizar por imposição dos
mesmos, para seu proveito.
Foi o que aconteceu com os terrenos da
família Assis, que iam desde a “exposição
feira” (zona a que hoje corresponde
o bairro designado por Miramar) até
ao Cacuaco e que por não estarem registados,
lhes foram retirados.
A minha avó paterna contou-me algumas
vezes que o meu trisavô António
Diogo de Assis, homem do primeiro
quartel do Séc. XIX, era dono de um
grande terreno nessa zona.
Facto relevante, relativamente ao que
atrás foi escrito, é eu julgar só ter começado
a ser prática corrente, o registo
de propriedades e o pagamento de
impostos sobre vendas e aquisições,
em meados do Séc. XIX, como por
exemplo a compra que a minha bisavó
paterna fez da casa onde nasceu o meu
pai, cujo ano de registo é o de 1899 e
que tem uma das primeiras matrizes
prediais da Repartição de Finanças da
área onde está localizada.
Porém, a prática de esbulho de propriedades
por parte das autoridades coloniais,
às famílias tradicionais e não só,
também ocorria quando existiam documentos
que comprovavam a posse
das mesmas. Um desses exemplos
ocorreu com os terrenos que correspondem
hoje à zona da tourada, cujos
proprietários eram entre outros o meu
avô paterno, António de Assis Júnior
e Fernando Vieira Dias, e que nos primeiros
anos da década de 50 lhes foram
retirados por razões de interesse
público, (julgo ser esta a designação)
para se construírem os quartéis para
o exército português. Quando o primeiro
fez a reclamação junto das instâncias
competentes, comunicaram-
-lhe, que por ter prescrito o prazo para
a apresentação da reclamação, já não
era possível recorrer.
Quando escreve que, “claro que todas
as famílias tradicionais de Luanda se
eclipsaram, e que justificadamente começaram
a aparecer os primeiros focos
de indignação”, não estou de acordo
com a frase, pelas razões que a seguir
exponho: quando se dá a instauração
da República em Portugal, as leis e práticas
das autoridades coloniais endureceram
para com essas famílias, como
por exemplo, obrigando muitas delas
a mudarem-se das suas propriedades,
onde habitavam há décadas, para zonas
mais distantes, alegando a falta de
documentação relativa às mesmas como
aconteceu da zona da Ingombota
para o Bairro Operário. Mais do que
gerarem indignação despertaram, em
alguns elementos dessas famílias que
tinham atingido a idade adulta nessa
altura, o “ “cabouqueirismo” da angolanidade”
e não noutros, que para
além de serem uma ou duas gerações
mais novos, não são referidos nas primeiras
manifestações desse “cabouqueirismo”,
já publicadas por alguns
autores ou narradas pela tradição oral.
Exemplos disso, são :
A história que me foi contada algumas
vezes pelo meu pai, sobre a visita, em
1907, do Príncipe Herdeiro Luís Filipe
às colónias da Guiné, São Tomé e Angola,
visita esta documentada no romance
“EQUADOR” de Miguel Sousa
Tavares, tendo-se esboçado um plano
para o rapto do Príncipe, quando este
desembarcasse em Luanda. O resgate
para a libertação do mesmo seria a Independência
de Angola.
Aires Menezes de Assis
Engenheiro Mecânico - Pós-Graduado
em Gestão Empresarial


Nota:Sem querer polemizar, sobre algo em que estamos no essencial de acordo, cumpre-me apenas dizer a Aires Menezes de Assis, que agradeço a contribuição que deu para o tema do Ágora, pois há pormenores, ainda que individualizados, são relevantes para o assunto de que se fala.
Quero contudo salientar, que não fui eu que "falei" da família Assis, mas transcrevo de um livro sobre o Dr. Eugénio Ferreira, recentemente editado e à venda em Luanda com o subtítulo: " O cabouqueiro da angolanidade".
Cumpre-me também dizer que este trabalho é suportado documentalmente por vários trabalhos, alguns citados no texto e outros omitidos, de forma a não carregar demasiado o artigo, e para não ultrapassar os limites que os gráficos naturalmente impôem.
Posso dizer que escrever sobre este tema, surgiu-me já há algum tempo,depois de ter lido o trabalho da historiadora Maria João Martins, no nº1 da revista Camões.
Tendo em conta o que li do seu comentário, só posso ficar preocupado pela mensagem não ter chegado como desejaria, pois no essencial concordo com tudo que escreveu sobre o meu artigo, nem vendo tampouco dissonancias na abordagem ideológica comum.

Fernando Pereira 15/05/09

Pensar e Falar Angola

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