Museus de Angola “assaltados” durante a guerra
Yara Simão |Jornal de Angola
“Cavernas abandonadas, cofres com objectos velhos, casas assombradas”, são alguns dos muitos nomes pejorativos atribuídos aos museus do país, que como se sabe, guardam parte da nossa História eda nossa identidade. Visitados por estudantes e turistas, os museus são considerados locais privilegiados para investigar o passado, porque conservam a memória colectiva dos povos.
O museu é uma instituição sem fins lucrativos, que adquire, conserva, investiga, comunica e exibe estudo, educação e lazer, testemunhos materiais do homem e do seu meio, disse o director do Museu de Antropologia, Américo Kononoca.
Américo Kononoca, mestre em História de Angola, acrescentou que numa
sociedade onde, face às transformações económicas, se dá uma maior atenção à ocupação dos tempos livres, ao turismo e à cultura, compreende-se que seja reforçado o papel dos museus como centros de conhecimento.
Os Museus de História Natural, da Escravatura, Forças Armadas, São Pedro da Barra, das Telecomunicações, do Reino do Congo, em Mbanza Congo, do Dundo, Cabinda, Lobito (Benguela) e Huíla são os mais conhecidos.
À entrada está a imagem de uma mulher. No vasto corredor de paredes brancas, vários quadros fotográficos com imagens que identificam a pesca, a caça, rituais e um mapa étnico do povo angolano. Estamos a falar do Museu de Antropologia. Criado a 13 de Novembro de 1976, o Museu Nacional de Antropologia é a primeira instituição museológica do período pós colonial.
Estruturado em museologia, coordenação científica, educação e animação cultural, repartição de administração e finanças e uma biblioteca especializada, o Museu Nacional de Antropologia surge como detentor de um dos maiores acervos. Com carácter científico, cultural e educativo, o museu foi concebido para recolher, investigar, conservar, valorizar e divulgar o património cultural sob sua custódia, preservando-o para as gerações vindouras, pois constitui a alavanca da identidade, força e dignidade de um povo com raízes históricas e culturais.
As suas colecções são de objectos etnográficos, de todos os grupos etno-linguísticos de Angola: kikongo, kimbumdu, umbundu, lunda côkwe, mbunda (outros chamam-no de nganguela, que significa Oriente), nyaneka-humbi, helelo, ociwambo e khoisan. E um número significativo de peças originárias de países africanos.
As temáticas das suas exposições descrevem as principais actividades do povo angolano, sobretudo as das comunidades étnicas rurais, com destaque para a pastorícia, agricultura, metalurgia, pesca e caça, cerâmica, instrumentos musicais, crenças religiosas, ritos e o poder tradicional.
Durante o primeiro trimestre de 2009, o Museu de Antropologia teve 1980 visitantes. Tem seis mil peças, das quais 30 por cento estão expostas. Américo Kononoca revelou que algumas peças do museu estão expostas na Baía, (Brasil), na Casa de Angola, no quadro da cooperação entre estes dois.
Dia Mundial dos Museus
Nas comunidades pastoris do Sudoeste de Angola, o gado assume papel preponderante. Por este motivo, a direcção do Museu de Antropologia inaugura hoje a exposição denominada “Expo/Pastorícia”, em alusão ao Dia Mundial dos Museus.
A exposição, segundo o director do Museu de Antropologia, Américo Kononoca, tem como principal objectivo valorizar o modo de vida dos criadores e pastores de gado, a produção de artefactos que descrevem e reflectem a cultura material dos grupos etnolinguísticos das províncias do Namibe, Huíla e Cunene.
A amostra, segundo o director do Museu de Antropologia, tem ainda como objectivo dinamizar acções na luta contra a fome e a pobreza. Entre os vários objectos expostos destacam-se heholo (baldes), chupa (cabaça que transforma o leite em iogurte) e omakuila (funis), elementos para o tratamento e conservação do leite.
Guias dos museus
Os Museus em Angola estão em situação “não muito satisfatória”, devido ao conflito armado que os deixou no abandono e permitiu que os oportunistas se apoderassem de algumas das suas peças, de acordo com o vice-ministro da cultura, Cornélio Caley.
O ministro concorda que os museus são considerados “cofre das coisas velhas”, porque nem todos sabem a sua utilidade, mas “o Ministério da Cultura tem uma tarefa árdua à sua frente, para dissipar esta ideia comum, educando, abrindo museus e organizando cursos sobre a matéria”.
Na opinião do ministro, a falta de informação é o motivo da fraca adesão da sociedade aos museus. “Não houve educação suficiente da importância de um museu no tempo colonial. Em boa verdade, não herdámos cultura de uso ou utilização de museus muito menos, da ciência museológica. Daí a situação que vivemos hoje”.
Um dos principais passos dados nesta matéria, disse, foi a aprovação recente pelo Conselho de Ministros, do Novo Estatuto Orgânico do Ministério da Cultura que consagra a criação da Direcção Nacional dos Museus. “A partir da aprovação do novo estatuto orgânico do ministério, estão as portas abertas para a programação dos museus no contexto cultural, social e político que vivemos”, disse.
Dentro das actividades da comissão técnica, consta a preparação de um projecto que inclui a UNESCO, para a preparação dos guias museológicos. “Um Guia museológico é um técnico, em princípio, de formação base ou média, que tem conhecimento do acervo existente no museu onde trabalha, e consegue descrever o tempo, o local, a utilidade e até o simbólico das peças expostas. Por isso, estamos a preparar estes técnicos num grande projecto que envolve a UNESCO.”
Acervo roubado
Sobre o saque ou o roubo acontecido durante o conflito armado, Cornélio Caley considerou três momentos. O primeiro, relacionado com autoridades coloniais que, no fim do sistema, em 1975, nalgumas zonas, levaram algumas peças. O segundo momento, de alguns curiosos que levaram peça importantes para fora do país. O terceiro momento consistiu no aproveitamento da desorganização que se gerou com o conflito armado e proporcionou a alguns angolanos saquear museus, levando peças importantes para o mercado nacional internacional.
Cornélio Caley revelou que já existem informações sobre o paradeiro de algumas peças e que tudo vai ser feito para reavê-las. Em relação ao grosso das peças, continuou, o assunto é de ordem jurídica e implica conversações bilaterais com os países envolvidos, porque esta matéria não é só angolana. “No fundo, ela está relacionada com a problemática dos países colonizadores como Portugal, Bélgica, Inglaterra, Holanda, Alemanha e outros”.
O vice-ministro disse que o dia de hoje, dedicado internacionalmente aos museus, remete a sociedade para uma reflexão sobre a realidade museológica angolana. “O Dia Internacional dos Museus remete-nos para uma reflexão sobre a museologia angolana”.
Angola tem 14 museus. Alguns de renome como o do Dundo, o Museu de História Natural e o de Antropologia e da Escravatura, em Luanda.
O Dia Internacional dos Museus, foi instituído pela Assembleia-Geral do Conselho Internacional dos Museus (uma organização da UNESCO), precisamente com o objectivo de estreitar as ligações entre os museus e o público.
Com a convenção, pretendeu-se incentivar a preservação de bens culturais e naturais, avaliados como marcos estéticos da humanidade e simultaneamente valorizar as cidades ou locais que, além de serem referência histórica e de identidade das nações nas quais se situam, possam ser consideradas como Património Mundial.
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