sábado, 13 de fevereiro de 2021

LILICA BOAL


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LILICA BOAL (n.1934)
Antifascista e anticolonialista cabo-verdiana, lutou em Portugal contra a ditadura fascista e pela independência dos povos das colónias. Historiadora e professora, foi a primeira mulher deputada cabo-verdiana, e a única figura feminina da primeira legislatura da Assembleia Nacional de Cabo Verde. Durante a guerra colonial, teve um importante papel à frente da Escola-Piloto (em Conacri), para crianças e jovens, filhos de combatentes e órfãos de guerra.
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1. Maria da Luz Freire de Andrade, conhecida por Lilica Boal, nasceu em Tarrafal de Santiago, em 1934, filha de pais comerciantes, Eulália Andrade [Nha Beba] e José Freire Andrade [Nho Papacho] (1).
Viveu no Tarrafal até aos 11 anos e depois em São Vicente, onde frequentou o Liceu Gil Eanes. Mais tarde vem para Portugal, e é em Braga que conclui o sexto e o sétimo anos. Em Coimbra, frequenta a Faculdade de Letras (Histórico-Filosóficas) e começa a namorar o jovem angolano Manuel Boal, com quem irá casar a Cabo Verde em 1958. Dois anos depois, muda-se para Lisboa e inscreve-se em Histórico-Filosóficas na Universidade de Lisboa. Começa então a frequentar a Casa dos Estudantes do Império (CEI), um espaço progressista também frequentado por antifascistas portugueses, onde desperta para os ideais da libertação. Nesse grupo abordava-se a situação que se vivia nos diferentes países africanos e os jovens estudantes dos vários países das colónias, que se encontravam ali - de Angola, Moçambique, São Tomé, Guiné e Cabo Verde – debatiam o papel que os estudantes africanos poderiam ter na luta pela libertação dos seus povos colonizados (2).
Em Junho de 1961, Lilica Boal regressa ao continente africano (3), numa fuga clandestina conjunta “rumo à luta”, com dezenas de outros estudantes africanos (sobretudo angolanos), que se propõem participar, mais directamente, na luta pela independência. Com o objectivo de reforçar as direções dos movimentos de libertação das colónias africanas, os jovens estudantes organizam a fuga (para a qual têm apoios) e partem com documentos falsos (do Senegal). Atravessam do norte de Portugal para Espanha e acabam por ser presos em San Sebastian, onde estiveram detidos 48 horas e donde só são libertados por pressão do Conselho Ecuménico das Igrejas. Prosseguiram o caminho para França e ficaram, cerca de um mês, na Sede da Cimade [uma ONG francesa fundada por grupos de estudantes protestantes franceses]. Dali seguiram clandestinamente para a Alemanha e por fim aterram no Gana [Os Movimentos de Libertação dos seus países tinham conseguido do Governo do Gana o apoio necessário para irem para África. O presidente Kwame Nkrumah enviou um avião para a Alemanha, que os transportou]. No Gana, são bem recebidos e recebem visitas de dirigentes dos outros movimentos, que os encorajam para a luta, nomeadamente, de Mário Pinto de Andrade, Lúcio Lara, Viriato da Cruz , do bureau do MPLA, ali sediado (4).
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2. Lilica Boal combinou com Amílcar Cabral ficar a trabalhar no Senegal, em Dakar (5), desempenhando funções administrativas no Gabinete do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e, também, ligada ao lar onde ficavam os combatentes que vinham da fronteira e alguns feridos de guerra, que chegavam por Ziguinchor. LB tem contactos com a comunidade de Cabo Verde com o objectivo de discutir e mobilizar aquela comunidade para a possibilidade de lutar pela independência daquele país, e chega a trabalhar com Pedro Pires, antes de este partir para a Argélia, para fazer formação militar. Entretanto, fica longe do marido que, tendo saído de Lisboa prestes a terminar a licenciatura, vai para o Congo-Kinshasa acabar a formação em medicina e participar, com outros colegas, nas actividades da unidade de saúde do MPLA, de assistência aos feridos de guerra e refugiados angolanos. [Só de longe a longe, no decurso de uma missão, se conseguiam encontrar]. Mais tarde, vai ser possível ter a filha com ela, em Dakar, e o casal tem um segundo filho, Baluca.
Durante as férias, Lilica Boal ia a Conacri (Guiné) trabalhar na formação de professores; e, em 1969, a convite de Amílcar Cabral, assume a direcção da Escola-Piloto do PAIGC (110 alunos), já criada em 1964 para apoiar os filhos dos combatentes e os órfãos de guerra. Ali viviam e trabalhavam, juntos, nas 24 horas do dia (6). LB era também a responsável pela elaboração dos manuais da escola, uma vez que os existentes não abordavam a realidade do seu país.
No período em que esteve na Escola-Piloto, integrou a direcção da União Democrática das Mulheres (UDEMO), sendo responsável pelas relações internacionais e participou em encontros internacionais de mulheres onde se discutia a situação da mulher em África e no mundo.
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3. Em 1973 viveu, em Conacri, a tragédia do assassinato de Amílcar Cabral: «O maior drama da luta, e da nossa vida, foi a morte de Cabral, assassinado em Conacri, a 20 de Janeiro de 1973». [LB, em Mulheres de Abril]
A 24 de Setembro de 1973, Lilica Boal assistiu à proclamação, unilateral, da República da Guiné-Bissau. A cerimónia teve lugar em Lugadjol, na região do Boé, num sítio deserto, e contou com a presença de altos quadros, ministros que vieram de outros países para assistir à proclamação da independência (7). Em Conacri, continuou a acompanhar a evolução da luta armada (que avançava após a proclamação), convencida de que o fim da guerra se aproximava.
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4. Soube do 25 de Abril de 1974 na Escola-Piloto e foi com alunos e colegas que viveu todas as emoções da Revolução, reforçando a convicção de que os movimentos de libertação estavam próximos da vitória. Integrou a primeira delegação [LB na área da Educação e Manuel Boal na área da Saúde], que foi a Bissau contactar a estrutura colonial que ali estava (8) e integrou o primeiro grupo de quadros que foi negociar com o governo colonial presente na Guiné. Entre 1974 e 1979 foi directora do Instituto Amizade do PAIGC, na Guiné-Bissau. Logo após a independência, a taxa de analfabetismo em Cabo Verde era quase 90%. Quando, na continuidade da Escola Piloto, são abertos vários internatos na Guiné-Bissau, Lilica Boal vai para o ministério da Educação como directora-geral da coordenação do Ministério da Educação guineense.
Fica na Guiné até ao golpe de estado de Nino Vieira, em Novembro de 1980. Regressa então a Cabo Verde e desempenha funções de inspectora-geral da Educação. Depois, passa para o Instituto Cabo-verdiano de Solidariedade, onde esteve até à reforma. .
Foi uma das fundadoras da Organização das Mulheres de Cabo Verde, onde foi responsável pelas relações internacionais da organização. [Esta organização trabalhava nas áreas da alfabetização, da formação de pequenos negócios, geradores de rendimentos, tendo em vista a autonomia das mulheres.]
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5. Homenagens e reconhecimentos
Em 2020, Sessão de homenagem à Combatente da Liberdade da Pátria, Lilica Boal, "Dia dos Heróis Nacionais", Mercado de Cultura e Artesanato, em Tarrafal. Em 2015, produção do documentário da autoria de Margarida Mercês de Melo, A Casa da Mensagem. [Com áudio de António Garcia, produção de Gertrudes Marçal, realização de Rafael Abalada Matos e selecção musical de Margarida Mercês de Melo. Depoimentos de Adriano Moreira, Alberto João Jardim, Fernando Mourão, Fernando França Van-Dúnem, Fernando Vaz, Hélder Martins, João Cravinho, Joaquim Chissano, Lilica Boal, Luís Cilia, Magui Leite Velho Mendo, Manuel Boal, Manuel Videira, Mário Machungo, Miguel Trovoada, Moacyr Rodrigues, Óscar Monteiro, Pedro Pires, Pepetela, Raúl Vaz Bernardo e Ruy Mingas.]
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Notas:
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(1) Em 1936, foi instalado o Campo do Tarrafal, destinado aos presos políticos antifascistas idos de Portugal e colónias e o pai abastecia esse campo. «Apesar de ser muito pequena, marcou-me aquele movimento da chegada dos presos, que vinham em camiões, cobertos por um pano para que ninguém os visse. Outra memória que me marcou foram os anos de seca em Cabo Verde. Era impressionante: a fome, as pessoas que caíam mortas na rua» [LB, Mulheres de Abril] «O Campo situava-se a dois quilómetros da Vila e havia um silêncio total sobre o mesmo, ninguém via os presos, não se sabia o que eles passavam lá, eram quase que ignorados. (…) não havia contacto directo com os presos no Tarrafal. Fazíamos a nossa vida normalmente como se não existisse o Campo de Concentração» [LB, em
(2) «Na CEI, o ambiente era alegre, nosso, livre. Sentíamo-nos em casa, no nosso país. Tínhamos contacto mais frequente com pessoas como o Pedro Pires, de Cabo Verde, que estava a fazer o serviço militar em Portugal (…). Ele era muito amigo do Iko Carreira, de Angola. Na altura, morávamos em Sete Rios e eles iam muitas vezes lá a casa. Esse contacto, que ainda hoje se mantém, fez-me reflectir sobre a realidade do meu país: a miséria, a fome, a falta de escolas, de médicos» [LB, Mulheres de Abril]
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(3) Lilica e Manuel Boal tinham uma filha, Sara, que a Avó, numa visita a Portugal, propõe levar consigo para o Tarrafal, o que o casal aceita, apesar do habitual sofrimento naquelas situações.
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(4) «O Cabral (Amílcar) explicou-nos que não era uma luta contra Portugal e contra os portugueses, era uma luta contra o sistema e o colonialismo. Falou sobre a situação dos nossos países, sobre a necessidade de nos juntarmos aos outros países que tinham o mesmo problema, como Angola. O Cabral era, sobretudo, muito humano, preocupava-se com os combatentes, com os camaradas. Era, realmente, extraordinário em termos humanos. Inspirava confiança. E nós entregámo-nos totalmente à causa» [LB, Mulheres de Abril]
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(5) Amílcar Cabral perguntou a cada um deles qual era o seu projecto, e LB disse-se disponível para participar na luta, manifestando o desejo de ficar no Senegal, para poder contactar com a filha que estava com a avó no Tarrafal.
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(6) Nessa escola ensinavam o português, o francês e o inglês, geografia e a história da Guiné e de Cabo Verde, com o objectivo de formar os futuros quadros destes dois países. Com um forte apoio internacional de Cuba, Suécia, França, União Soviética, França, eram atribuídas bolsas de estudo, o que permitiu a muitos estudantes prosseguirem estudos superiores em Cuba, União Soviética, Checoslováquia, Roménia, Jugoslávia e Alemanha Democrática. Lilica Boal refere que: «Na Escola-Piloto precisávamos de estar preparados para tudo, por isso, tínhamos aulas para aprender a manejar armas» [LB, Mulheres de Abril]
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(7) Era um lugar sem quaisquer condições. «No meio daquela confusão, passou por mim um desses quadros, que me pediu: “Water, please”. Eu respondi: “Wait a moment” e desapareci. Não tinha água para lhe dar. Foram histórias lindas. Cada um de nós tem a sua história». [LB, em Mulheres de Abril]
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(8) Em Bafatá, por ocasião da partida de um barco português que tinha ido buscar militares, LB assistiu ao entusiasmo dos jovens militares portugueses que iam, finalmente, ver as suas famílias. «Foi uma coisa apaixonante, aperceber-me que eles estavam lá mas que, afinal, aquela não era a sua guerra. Tinham sido enviados para lá. Isso também foi uma das coisas que me marcou» [LB]
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Biografia da autoria de Helena Pato
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Fotografia: Maria da Luz Boal, de DW/ M. Sampaio, DW, «25 de Abril e Independências - Lilica Boal, a eterna diretora da Escola-Piloto do PAIGC»
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Fontes:
- Lilica Boal, wikipedia
- «Mulheres de Abril: Testemunho de Lilica Boal», www.esquerda. net
- Revista Sempre Viva, entrevista a Lilica Boal.
- DW, «25 de Abril e Independências - Lilica Boal, a eterna diretora da Escola-Piloto do PAIGC»







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