Começo com Santo Agostinho: “Para se exercerem as virtudes do espírito é necessário um mínimo de conforto material.”
Millôr Fernandes (1923-2012), humorista, desenhador, escritor, dramaturgo, artista plástico e jornalista brasileiro recentemente desaparecido deixou uma obra prenhe de escritos adoráveis, reveladores de uma sagacidade e acutilância muito raros no comum dos mortais.
O Pif-Paf foi editado um mês após a instauração da ditadura brasileira na sequência do golpe de estado de 1964. Pretendia-se uma revista de humor e liberdade, onde terão colaborado, na sua efémera existência de oito números, alguns dos grandes humoristas e desenhadores de BD do Brasil. Evidentemente que a censura obrigou ao encerramento da revista, o que levou Millôr a ter que procurar outras formas de expressão, tendo colaborado com alguns jornais e revistas, incluindo o português “Diário Popular” e a brasileira “Veja”.
Num dos números do Pif-Paf e com a censura a “picar-lhe os miolos” conta esta deliciosa história:
“DESCOBERTA
Estavam dois caçadores bem no centro de África quando, por trás de uma colina, de dentro de uma gruta, da escuridão de uma mata, do seio de uma grota, surgiu um tigre de dentes de sabre. Disse um dos caçadores: «Um animal pré-histórico! O mais terrível e o mais precioso dos animais pré-históricos! Que vamos fazer?» «Vamos fazer o seguinte-sugeriu o outro, preparando-se para correr.- Você fica aqui e aguenta o bicho, que eu vou espalhar a notícia pela Africa inteira».
Moral: Divulgar certas notícias também requer muita coragem.
Para que conste, não tenho notícia nenhuma para dar a não ser a resignação do Ratzinger, que era só mais um dos muitos papas de quem eu não gostava, mas também acho que nenhum deles teve conhecimento disso. Como nunca há bela sem senão: pela primeira vez, o Vaticano vai ter dois papas. Os beatos, habituados a chorar cada Papa que morre, arriscam-se a perder um espetáculo. Ninguém chora um papa reformado.
Como há leitores que não gostam destas confabulações, vou abordar aqui um tema que há muito me traz preocupado: desde os anos 80, num tempo em que o ICOMOS tinha alguma atividade, julgo não haver nenhuma intervenção posterior ao arremedo de arranjo que ao tempo foi feito. Refiro-me à “Real Fabrica de Ferro de Nova Oeiras”, situada na confluência dos rios Luinha e Lucala, perto da povoação de Cassoalala, a alguns quilómetros de Zenza do Itombe. A fábrica e a povoação de Nova Oeiras foram construídas por incumbência do Governador Inocêncio de Sousa Coutinho (1764-1772), veiculando a política pombalina de fomento industrial e de incremento da colonização. O governador tomou conhecimento por pombeiros da existência de “ricos minérios de ferro”, na região do rio Luinha, e “mandou fazer o seu aproveitamento em 1756, utilizando nessa fase experimental os processos de fundição e forja usados pelos ferreiros autóctones”.
Do que foi essa “antecipação demasiado ambiciosa para a sua época” ainda há cerca de pouco mais de vinte anos se podia observar dois troços do dique que represava o rio, o aqueduto condutor da água (de 22 arcos e 118 metros de comprimento), um grande compartimento para as rodas hidráulicas, um forno de fundição, uma ferraria com três armazéns e um canal para escoar a água.
Paralelamente, foi edificada uma povoação que Sousa Coutinho denominou de Nova Oeiras (Pombal era Conde de Oeiras) e que para além de numerosas habitações contava com edifícios públicos diversos e a inevitável igreja.
Quando o governador deixou o cargo, a Real Fábrica de Ferro de Nova Oeiras, (“feita com todo o desvelo e com algumas comodidades”),ficou deserta e caiu no esquecimento. A floresta foi ocupando o lugar que só foi reencontrado em 1925 e só conheceu alguma reabilitação em 1972, fruto da obstinação do arquiteto Fernando Batalha.
Há umas décadas que não visito o que foi Nova Oeiras, mas da última vez que lá fui o que vi foi o remanescente (alicerces e escombros das construções) de um dos mais importantes conjuntos dignos de figurar no património reconstruído do futuro mapa da arqueologia industrial angolana.
Citando Millôr Fermandes “Já tenho idade quanto baste para não saber muitas coisas”.
Fernando Pereira
13/2/2013
Pensar e Falar Angola
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