sexta-feira, 5 de novembro de 2010

apontamentos de F. Quelhas (4)

Provavelmente algum psicólogo ou sociólogo já deu nome a um sentimento que nos acomete quando, por vezes, deixamos de dispor de algo que considerávamos natural, mas de cuja importância só nos damos conta quando deixamos de as ter. Deve se chamar “síndrome qualquer coisa” .

Nem me refiro tanto a sentimentos relacionados a pessoas que amamos, cuja ausência, claro, nos afeta e que se traduz na saudade, mas que, claro, também se enquadra.

Muitos outros exemplos podem ser citados: ‘E muito comum, as pessoas que vivem perto do mar, habituados que estão a sua presença e cientes da possibilidade de, a qualquer momento, dar um mergulho, acharem isso algo natural, sendo que inúmeras vezes deixam ate de fazê-lo. Eis, entretanto, que, tão logo passam a viver longe do mar, começam a sentir a sua falta, de uma forma que jamais imaginariam.

Outros casos, talvez mais contundentes, referem-se a coisas básicas do dia a dia, como água e luz, por exemplo.

No caso da água, para mim que sou originário do deserto do Namibe a água, possui uma importância relevante e  la na minha roca, apesar de haver água em abundancia, com rios perenes atravessando-a, acabei construindo vários reservatórios ( lagos ) a ponto de certa vez o pessoal local achar que eu era esquisito por ter uma fixação tão grande com este recurso, ao qual, eles, infelizmente, dão uma importância menor.

Vem toda esta introdução a propósito de algo que no Brasil, Europa, etc. achamos mais que natural ter a disposição. Refiro-me a energia elétrica. Quando, por vezes, ficamos por alguns minutos sem luz, reclamamos e achamos um absurdo.

Aqui em Angola, apesar de, segundo soube, ter melhorado bastante, a falta de luz eh quase diária, normalmente no inicio da noite ( horário de ponta ) e aos domingos, quase o dia todo ( imagino que por razoes de manutenção,etc. ). Eis então que praticamente todos os estabelecimentos comerciais e públicos, de uma maneira geral, alem de algumas casas e/ou prédios, possuem geradores que são acionados quando a luz falta.

Sempre que vou ligar o gerador, lembro-me da minha amiga Armanda ( codinome Moçamedes ) la no Lubango, onde passei um dia quando ca estive em 2.006 ( ate hoje não me esqueci da fabulosa garoupa assada preparada tão gentilmente por sua mãe., dona Fernanda, em minha homenagem. Uma das mais deliciosas que já saboreei ),  que pegava carona no gerador da padaria vizinha, ao qual, por algum motivo fácil de entender, chamava de Adamastor. Ela tinha com o seu gerador uma espécie de relação de amor e ódio, posto que, ao mesmo tempo que propicia a desejada energia, traz consigo um barulho infernal.

Aqui na nossa casa acontece o mesmo. Ainda por cima, cada vez que eu fico algum tempo ouvindo um barulho cíclico alto, imediatamente sobrevem-me um zumbido no ouvido que herdei depois de um mergulho submarino mal sucedido la em Angra dos Reis. Sinceramente, não sei se fico feliz ou infeliz com ele.

Este domingo houve ate um episodio interessante. Quando a energia faltou, um garotinho da casa vizinha, pediu que não ligássemos o gerador por causa do barulho. ‘E que a família vizinha encontra-se numa situação que e a pior possível: Quando falta energia, ao tempo que ficam sem luz porque não possuírem gerador, são obrigados a conviver com o barulho ensurdecedor do nosso gerador que fica posicionado junto a divisa das casas.

Só me restou uma saída. Como o nosso gerador possui potencia bem acima da necessária, autorizei o pai do garotinho a fazer uma instalação saindo do nosso gerador para atender  a casa deles.

Este episodio me transportou a uma constatação curiosa.

Ao mesmo tempo que os angolanos, pelo menos aqui em Luanda, são atenciosos,  cooperantes e capazes de ajudar o parceiro, creio não possuírem muito o sentido de coletivismo, naquilo que possa se constituir na percepção de que em inúmeras situações seja  extremamente vantajoso a ação coletiva. Afinal, porque não dividir os custos de um gerador por varias casas? Nem que sejam só os custos operacionais, alias bem baixos dado o preço baixo do combustível.

Tirando alguns condomínios fechados em que se denota um cuidado coletivo no tratamento das áreas comuns, jardins, portaria, etc. nos edifícios de apartamentos ou escritórios ( não me refiro aos construídos recentemente ) continua a mesma situação que observei há quatro anos. Ao tempo em que os apartamentos ou escritórios possuem instalações muito boas da porta para dentro, as áreas comuns, tipo corredores, escadas, portaria, etc. são descuidadas, normalmente necessitando de manutenção/limpeza.

Isto e tão mais estranho ou paradoxal numa sociedade em que, creio eu, se tentou a implantação de um regime socialista.

Talvez por isso mesmo.


Fernando Quelhas



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