Novo MPLA ou MPLA(R)
De há uns tempos atrás, ou melhor desde há cerca de um ano meio, o clã Santos tem-se desdobrado em deixar passar mensagens que nos fazem pensar, quem está de fora, de que a elite administrativo-capitalista de Angola e os seus associados, enveredando para um radicalismo ultra-liberal, tinham feito o Estado e o MPLA uma plataforma para transformar Luanda e por arrasto, o resto das províncias, num paraíso do tipo offshore e numa Dubai africana.
A vitória eleitoral nas proporções que o MPLA obteve, só vista em países onde a democracia política é uma tremenda burla, mas aqui homologada pela comunidade internacional, fazendo creditar a justeza e legalidade, deu a essa elite, (constituída informalmente como um sindicato capitalista, ou como lhe chamou a deputada Tchizé Santos, oligarquia) uma alma para prosseguir, ao que parece, sem os benefícios, na proporção que a população esperava. A crise, que na altura das eleições já se adivinhava, a ter em conta os atrasos na satisfação dos compromissos do estado para com uma parte dos empreiteiros, logo após as eleições, mas que o governo não se cansava de afirmar, não vir a afectar Angola ( um bocado como outros governos fizeram) veio a agravar-se ao ponto de, em Janeiro, ter começado a colocar cá para fora algumas preocupações, com o acentuar da baixa do preço do petróleo e a desvalorização crescente do dólar.
Esta situação, bem como a visibilidade com que muitos dos mais de 70 multimilionários exibiam a sua fortuna e poder e a proporcional visibilidade da pobreza de uma parte significativa dos angolanos, colocava a direcção do MPLA numa situação, que a médio prazo, poderia tornar-se insustentável, ou no mínimo perder a sua base social de apoio. Começava a desenhar-se aos olhos do povo, uma contradição entre a auto-classificação de partido da esquerda, socialista e democrático e o modo de vida que a elite constituída pelos principais dirigentes do partido exibiam, no território ou fora dele.
É nesse contexto que eu vejo a intervenção da família dos Santos, personalizada por exemplo na deputada Tchizé, brilhante empresária e gestora de bens públicos, na sua intervenção no parlamento angolano. Dizia ela em Fevereiro do corrente numa das suas intervenções:
"Nos empresários dos anos 90 existe um subgrupo de angolanos e estrangeiros que usufruíram de um sem fim de benefícios do Estado como créditos ao desenvolvimento a fundo perdido, fixings e inclusive meios para desenvolver os seus negócios, tendo usado a maior parte deste dinheiro em benefício próprio, sem gerar um número de empregos considerado razoável dadas as facilidades que receberam" (...)
"Estes “oligarcas empresariais” acreditam que têm que criar o maior número de tentáculos possível e sabotar ou destruir os negócios dos seus concorrentes, porque segundo a sua visão do futuro “contra o dinheiro ninguém pode” e eles têm que se “posicionar” no mercado, exercendo uma forma de capitalismo selvagem no qual mandam os mais ricos, à semelhança do que se passou nos mercados ocidentais que hoje estão na bancarrota, graças a empresários desta “estirpe”(...)
"A maioria destes empresários esquece-se que há 35 anos provavelmente eram pobres e viviam num qualquer musseque, tal como estão hoje os que eles pisam com a sua presunção e prepotência"(...)
"Para superarmos a crise “deontológica” que vive hoje a economia angolana, tem de falar mais alto o patriotismo dos empresários nacionais e a expertise política para se criar uma estratégia de diversificação dos grandes grupos económicos, começando pela exigência aos gestores públicos de uma conduta mais transparente com vista à defesa dos interesses da Nação, em primeiro lugar"(...)
Um discurso nacionalista quanto baste, que, como vêem, combina bem com a linha ideológica do Partido mas que, a praxis, no caso da deputada, é contraditória. Não estou a ver incluir nos visados do seu discurso, a sua irmã, substancialmente mais poderosa e menos ainda, os seus sócios não menos poderosos de cá e além-mar.
Depois, o presidente seu pai, uns meses depois, tem um discurso no mesmo sentido, que muitos só assinalaram a questão da denúncia da promiscuidade entre o poder do estado, das empresas do estado, instituições e os interesses das famílias da tal oligarquia económico-financeira que funciona em rede. Mas assinalo, que na minha opinião, essa matéria não foi a mais importante, na referida denúncia. Não foi só esse aspecto da vida do país que funcionava menos bem que ele quis assinalar, mas questões mais vastas e graves, como a dependência do país e dos angolanos ao mercado externo. Não estou em crer que queria incluir os seus amigos pessoais de longos anos de luta, na crítica, que não interessa aqui citar. Mas creio que muita gente ficou baralhada: será que o líder quer puxar a toalha da mesa, desta vez?
Mais, este tipo de intervenção não se fica pela intervenção das pessoas da família Santos. Já em Julho, vinha o mais nobre tribuno do partido, Kwata-Kanawa, dizer no Jornal – o País -, em resultado de um conjunto de críticas da opinião pública relativamente à praxis de direita do partido em Luanda e da acção ( ou inacção) do governo: "O MPLA é um partido de esquerda que é pelo socialismo democrático, cujas marcas estão no nosso programa. Acredito que os cidadãos compreendem que não é possível fazer tudo no mesmo dia, mas que percebem os sinais da nossa vontade” . Tenho por mim que não estava muito confiante na compreensão popular.
Desta vez, o presidente num tom adequado aos convidados, entre os quais, muitos que abertamente começavam a descolar-se do MPLA, precisamente pelo nível de corrupção e anarquismo capitalista que o vem caracterizando, vem acentuar a necessidade do combate ao parasitismo, mas sobretudo, ao afastamento que se vem notando entre as grandes metas do partido, nomeadamente o paradigma histórico de resolver os problemas do povo e garantir a independência económica do país.
Ora, num contexto em que quase nenhuma das metas que o governo se propôs satisfazer até 2015 Angola, parece vir a concretizar, como por exemplo os níveis de escolaridade, da satisfações das condições básicas de saúde, de acesso à água potável. Num contexto apaziguador do Campeonato de África, dos grandes estádios e do Campeonato do Mundo na África do Sul, o seu discurso pode criar a ilusão ao povo, de que as coisas vão mudar.
Na minha opinião, o presidente não quer criar condições para um suicídio político. Se hostilizar ou romper com o sistema e o poder oligárquico, como por exemplo o afastamento compulsivo do comité central e dos quadros do partido os tais elementos anti-patrióticos, denunciados pela filha, com tantos generais (alguns ainda no activo) e mais recentemente com o descontentamento dos antigos militares das gloriosas FAPLA, criaria as condições para um golpe antidemocrático. Também não estou a ver os tais elementos a cometer um suicídio ideológico e a cumprir com o desajustado conselho de fazer a autocrítica. Mas também não quer desiludir o lumpen proletariado ou a emergente classe média.
Resta-me, pensar que o presidente quer roubar espaço de manobra a pelo menos dois partidos da oposição, ideologicamente mais coerentes com as acusações da família Santos: A UNITA e o PRS. Aproximando-se as eleições presidenciais, (não anunciadas ainda, prudentemente) presumindo estarem em fase de conclusão uma parte significativa da porção astronómica de 1 milhão de casas, com os votos de 90% dos delegados do congresso, que surpreendeu o próprio, segundo afirmou, de facto fazia falta fazer o que Boris Ieltsin tentou fazer, quando se tornou secretário geral: abanar quanto baste o sistema.
Pessoalmente estou inclinado a dar-lhe o benefício da dúvida. Quando a esmola é muita...o pobre desconfia. Uma coisa é certa: ou o MPLA resolve agora os problemas do povo, ou então, bom...é melhor nem pensar
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