A notícia passou despercebida mas revela o que é o negócio da chuva. Centenas de pessoas ocuparam reservas fundiárias do Estado destinadas a uma nova centralidade no município do Dande. A técnica é sempre a mesma e por isso todos falamos da época das chuvas, até a oposição. Em nome do direito à habitação, o negócio da chuva é ocupar terrenos públicos, fazendo exclusivamente de uns o que é de todos. Depois o negócio é dividido em fatias lucrativas.
Os promotores do negócio escondem-se por trás de associações e até partidos políticos. Quando se invadem os terrenos públicos, começam de imediato a tratar do comércio a retalho. A primeira “tranche” vem de indemnizações aos ocupantes que levantam cinco chapas da noite para o dia, espetam umas estacas de mandioca nas imediações e ficam senhores de mais uma barraca e mais uma lavra.
Os terrenos são destinados a grandes obras públicas, como estradas, por isso é preciso libertá-los. Mas os promotores do negócio ficam com mãos livres para exigir do Estado que pague por aquilo que lhe pertence. No negócio até alguns advogados prosperam. Para que não haja problemas, as autoridades cedem e pagam.
Os patrões do negócio pegam no dinheiro e exportam-no para o estrangeiro. Às vezes as autoridades aduaneiras descobrem a exportação ilegal de divisas, o fiasco dá que falar, mas rapidamente é esquecido e o autor do crime algum tempo depois aparece novamente como o paladino do direito à habitação e dono de um novo partido.
Se alguém questiona a ilegalidade e o abuso, logo surgem os defensores do negócio: ninguém pode dormir ao relento ou à chuva. Sobretudo à chuva. E as pobres casas de chapa vão nascendo onde não devem, inviabilizam o ordenamento do território, atrasam projectos estruturantes, põem muita chapa, muito adobe e muita pobreza no avanço da roda dentada do desenvolvimento nacional.
Todos sabemos quantos anos se perderam para concluir a estrada que liga Luanda ao Cacuaco ou a Viana. Os ocupantes desordenados do espaço público foram indemnizados e realojados à custa de todos, mesmo dos que lutam desesperadamente nos seus postos de trabalho para ganharem um salário e sustentarem as suas famílias. O negócio da chuva é profundamente injusto para os angolanos honestos e trabalhadores. A outra fatia lucrativa do negócio da chuva consiste em erguer uma barraca com paredes de barro ou capim, colocar meia dúzia de chapas de zinco e um luando a fazer de porta. Ao lado fazem-se uns montinhos de terra, espetam-se lá estacas de mandioca e em alguns dias está construído um bairro. Pode ser nas zonas suburbanas ou nos arredores dos municípios e comunas. Para o negócio correr melhor, as barracas devem nascer junto das linhas de água ou perto de ravinas. Quando cai a primeira chuva as chapas voam e as paredes são dissolvidas. A enxurrada leva tudo à frente.
A rádio fala do acontecimento, as câmaras da televisão mostram os desalojados e os jornais escrevem rios de tinta sobre os infaustos acontecimentos. O Estado realoja os sinistrados, alimenta-os, oferece-lhes terrenos, chapas de zinco e materiais de construção. Os promotores do negócio aparecem a cobrar a sua parte e os realojados ficam com as mãos livres para uma nova operação. Como a época das chuvas é longa, o negócio pode repetir-se várias vezes. Com lucros.
Todos sabemos que temos em Angola muitos problemas. Um deles é o da habitação. Quando o partido que ganhou as eleições prometeu um milhão de fogos habitacionais durante esta legislatura, muitos se apressaram a dizer que essa meta era impossível.
Eu não sou ninguém para fazer contas sofisticadas, mas não sou cego. Fui à Cidade do Kilamba e vi um quarto desses fogos. Vou às grandes cidades e vejo centenas de casas sociais, bairros para jovens, para antigos combatentes, para quadros técnicos da área da saúde ou da educação. Vou ao Talatona e vejo vivendas e apartamentos à venda para pessoas de alto rendimento. Luanda é a cidade mais cara do mundo para os expatriados, ao lado de Genebra e Londres? Pois claro, têm de pagar a qualidade, e Luanda não está ao preço da chuva.
Um milhão é apenas um número. A centralidade do Kilamba mostra, sobretudo, qual é o caminho. As novas centralidades que estão a ser construídas, só essas, respondem por uma política correcta. Em nenhuma outra parte do mundo um governo tinha capacidade para realizar tão grandioso projecto em tão pouco tempo. E se não fosse o negócio da ocupação ilegal de reservas fundiárias do Estado e o pedido de mais uma casa de quem já tem, agravando o problema, Angola estava melhor.
Mas bem vistas as coisas, o negócio da chuva até tem um lado positivo: leva o Executivo a recusar as barracas e a oferecer habitações dignas aos angolanos. Aquela Cidade do Kilamba vale por toda a legislatura. Mesmo que mais nada fosse feito na área da habitação, vai ficar como um exemplo extraordinário do que é fazer política para os cidadãos.
José Ribeiro, diretor do Jornal de Angola
Pensar e Falar Angola
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
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