domingo, 12 de outubro de 2008

Bairro Operário (parte3)

"Nos anos setenta, de musseque engolido passou a bairro assumido como imagem de tolerância e misceginação que convinha a Marcela Caetano. De musseque esmagado passou a musseque integrado na malha urbana, espelho da tolerância dos portugueses e do bom convívio entre raças e origens, passando até por um bairro bem organizado para quem visualizasse a planta da cidade. Não sonhando ainda com um google earth, só sobrevoando Luanda ou apreciando a vista de um edifício mais alto se tinha a visão completa do bairro e de que tipo de integração se tratava.
No inicio de 70, iniciou-se um plano de urbanização que avançou com alguns blocos de apartamentos nas franjas do musseque virado para o Miramar, com o objectivo de retirar a “nódoa” do Musseque BO da mallha urbana.


Um dos seus limites era visível das embaixadas/consulados dos países estrangeiros que entretanto abandonaram a baixa da cidade e se transferiam para a cidade alta e proliferavam pela zona do Miramar, o que perturbaria a digestão dos srs embaixadores, tendo como vizinhos as cubatas do BO, ou míseras construções de madeira com coberturas de zinco.


Os interesses especulativos existentes naquele local da cidade terão sido também uma grande pressão para acabar com o BO, no entanto a imagem de colonizadores tolerantes tinha diversos partidários e acabou por germinar um paradoxo que se concretizou pelo prolongamento do tempo de vida do BO.
Assim sobreviveu o BO.
Não morreu, sobreviveu sempre fortemente controlado – sem água, sem saneamento básico, sem escoamento de águas pluviais, sem ruas asfaltadas, sem condições de habitabilidade e iluminado em pontos estratégicos.
Ao sábado os tambores gemiam pela noite fora no compasso do bater de coração engaiolado. Seriam os N’gola Ritmos seriam outros?
Mal raiava o sol, as quitandeiras dirigiam-se para direcções opostas, ou Kinaxixe ou Mercado de S.Paulo, embrulhadas nos seus panos com a criança mais nova às costas.
É neste Bo que nasce uma consciência politica de gente colonizada, e onde germinou a luta anti-colonial, onde viveram figuras importantes dessa luta, Agostinho Neto por exemplo, e por isso em 1961 foi cercado por militares. Mas já na década de 50 que este bairro era o alvo visado pela policia politica portuguesa (PIDE) pois continha uma forte actividade politica, cultural e de reuniões clandestinas, culminando por vezes com diversas prisões.


É também neste BO onde as negras e mulatas se prostituíam a todas as horas dentro das cubatas com ou sem porta, procuradas pelos militares portugueses, que depois ou antes do prazer, já alcoolizados, se envolviam constantemente em rixas que terminavam muitas vezes no posto da policia.
Entre ais e uis de prazer puramente carnal, para além do vazamento dos fluidos corporais, sonorizavam-se outros fluidos encarnados duma outra substância: A INFORMAÇÂO.

É este o bairro emblemático de Luanda que servirá de suporte à maior transformação da sua vida, numa operação urbanistica aguardada neste século XXI, que acabará de vez com o musseque e entrará na era do betão armado e do condomínio fechado, apagando todos os vestígios, mesmo aqueles que fazem parte da história da independência do território angolano.
Preparem-se!
"anabela quelhas

A quem copiar este texto agradece-se que seja feito na totalidade e com identificação da fonte.


Pensar e Falar Angola

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