terça-feira, 22 de junho de 2010

Alambamento

Até aos anos 80,o alembamento resumia-se a uma celebração para as famílias dos futuros casais e as coisas impostas pela família da noiva resumiam-se a uma pequena “cesta básica”. Uma muda de pano para a mãe ou tia da rapariga, um garrafão de vinho para os pais e os tios. Mas no Norte de Angola, o alembamento sempre teve um dote mais pesado.
Nos dias de hoje, o alembamento é uma “fortuna”. Algumas famílias exigem ao noivo valores exorbitantes. Zambrotta dos Santos sabia de antemão que tinha de pagar uma multa, pelo facto da rapariga com quem pretendia casar se encontrar grávida: “como namorámos dez anos, achei que a multa não seria exigida”, disse, considerando-se felizardo pelo facto da família da mulher não ter feito grandes exigências no alembamento: “foi uma cerimónia informal, porque as famílias já se conheciam. Mas como eu engravidei a moça antes do pedido e na região do pai dela se exigia este ritual, então só tive de cumprir o que já estava estabelecido para não quebrar as regras”, explicou.
O alembamento é a oficialização do casamento tradicional entre duas pessoas. O antropólogo Afonso Teca disse que a sua concretização só é possível depois da resposta dos familiares da noiva, após uma carta do rapaz. A carta, por exemplo, na região da Damba, província do Uíge, deve fazer-se acompanhar de uma garrafa de whisky e 250 dólares. O whisky é uma bebida importada e o dólar uma moeda estrangeira, mas há quem chame a isto “tradicional”.
Afonso Teca diz que “só depois da resposta é que o rapaz e a família se apresentam em casa da moça com os bens exigidos para a realização do acto”, disse.
Na Damba são exigidos 450 a 500 dólares para o dote, dois fatos, duas peças de pano do Congo, dois garrafões de vinho, dez grades de cerveja (importada) igual número de grades de gasosas, dois pares de sapatos, dois pares de chinelas, duas garrafas de whisky. Tudo muito tradicional.
O dote também pode incluir um garrafão de maruvu, cola e gengibre, duas galinhas, um petromax e dois lenços de cabeça e de bolso. Este alembamento pode também variar de família para família. Neste caso particular as galinhas simbolizam a fertilidade da mulher.
Na região de Sanza Pombo, província do Uíge, na lista podem constar caixas de fósforos, armas de caça, porcos, cabritos e outros bens. Neste município, diz o antropólogo, as famílias são mais exigentes.

Exagero na cerveja

Algumas famílias muitas das vezes exageram na formalização da lista dos bens para o alembamento. Afonso Teca disse que muitas famílias optaram em juntar os costumes da região da rapariga ou do rapaz, o que torna a lista maior. “Recentemente acompanhei um pedido em que ao rapaz foram exigidas 30 grades de cerveja. Isso é um exagero”. Esta família, argumentou o rapaz, é Bakongo e na sua região as exigências são mais pesadas do que noutras zonas: “neste caso particular, a família da moça juntou o essencial da sua cultura e adicionou alguns bens da cultura do homem. Isso nunca aconteceu em localidade nenhum”, afirmou.
Quanto ao dote, cada família estipula o que lhe interessa: “existem famílias que chegam a pedir mil dólares e o valor pode estar relacionado com as qualidades da noiva”. Este negócio das listas faz pensar que os pais estão a vender a filha. Mas Afonso Teca descansa os mais preocupados com o negócio: “o alembamento é uma simbologia que exprime respeito e admiração e quando o homem não oficializa a sua relação com o alembamento nem sempre a mulher é respeitada dentro de sua casa”.
Afonso Teca revela uma boa notícia: “Hoje muitas famílias já não pedem nada ao moço, o que não quer dizer que o rapaz perca admiração diante da família da mulher”.

O dólar na carta

A exigência do dólar na carta do alembamento deve-se à desvalorização da moeda nacional, que pelos vistos prejudica a tradição. O antropólogo Afonso Teca disse que em muitos pedidos, nem sempre o rapaz paga o dote por completo para permitir que a família da rapariga se desloque à casa do rapaz para analisar as condições sociais em que vive a sua filha.
Dado o tempo que pode levar até à gravidez, se a moeda for o kwanza pode nessa altura ser um valor baixo. Daí a opção pelo dólar, que até à era Mardoff tinha sempre muito valor. “Tradicionalmente o dote não era pago por completo, isto para permitir que a família da moça se deslocasse à casa do rapaz e visse as condições em que a filha vivia e a recepção que lhe era oferecida”, disse. Afonso Teca afirmou ainda que os bens exigidos ao noivo são “símbolos culturais”.

Alembamento em Luanda

Na província de Luanda o pedido depende exclusivamente da rapariga. Para a composição da lista ela também participa na discussão da família. Francisca Pinha tem 69 anos, é natural de Luanda e contou ao Jornal de Angola, que a tradição de Luanda é mais simples do que nas outras províncias.
Francisca Pinha conta que antigamente apesar do pedido ser um acto de valorização da mulher, muitas famílias acabavam por rejeitar o acto. “Havia homens que desrespeitavam e batiam na mulher. E quando a mulher reivindicava ele obrigava os pais da moça a devolver as coisas”, disse.
Esta situação fez com que muitas famílias deixassem de realizar o acto de pedido com bens: “na minha família durante muito tempo nós não realizávamos pedido devido a estes abusos”, explicou.
Na tradição de Luanda, ao homem são exigidos três pares de panos, dez grades de cerveja e gasosa, um garrafão de vinho, um fato para o pai da moça, um par de sapatos, uma camisa branca com gravata, whisky, amarula, aguardente, martini, chinelas ou sandálias para a mãe, dois lenços, o anel de noivado e um dote no valor de 500 dólares.
Francisca Pinha disse que a não realização do pedido nunca representou maldição para o casal, uma vez que o acto em si depende exclusivamente do futuro casal. “Embora seja tradição, se os jovens não quiserem não podem ser obrigados, nós desejamos a felicidade dos nossos filhos”, concluiu

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