A campanha de desarmamento civil já vai no seu terceiro ano e o número de armas recolhido ate aqui é satisfatório, segundo o comissário chefe da Comissão Nacional para o Desarmamento da População Civil, Paulo de Almeida. O oficial da Polícia Nacional revelou que a maior preocupação da Comissão é o contrabando de armas. "As armas que estão a ser utilizadas pelos meliantes são novas. Isso preocupa-nos porque não há no país nenhuma entidade privada ou particular que importe armas. É o Estado que importa e as distribui. Alguma fuga se está a registar ".
Jornal Angola – O número de armas ilegais recolhidas dos civis já é considerável?
Paulo de Almeida - Um grande número de armas já foi recolhido, mas aceitamos que ainda há um número considerável de armas que está ilegalmente na posse dos cidadãos. Por isso, há toda a necessidade de continuarmos a desenvolver a campanha de desarmamento para podermos atingir os cidadãos que ainda se mostram relutantes a entregar as armas.
JA – Foi por isso que o prazo foi alargado?
PA - Os dois anos não foram suficientes para que todas as pessoas ficassem convencidas de que um cidadão sem arma é uma pessoa mais segura. Mas para alguns a arma é considerada um meio de sobrevivência. A campanha não pode ser vista simplesmente no sentido de desarmar a população, mas também tem como objectivo moralizar a sociedade, despertar as consciências de que o espírito belicista, a violência, são reacções negativas. Por isso é que a campanha tem incidência nas mentes humanas, através da sensibilização, da publicidade, para podermos despertar as consciências, no sentido de não voltarem a amar-se nem terem armas ilegais, que põem em risco as suas vidas e das suas famílias.
JA – Que outros motivos levaram ao prolongamento da campanha?
PA – O outro motivo é que ainda há muito por fazer. É preciso recolher as armas, mentalizar as pessoas e principalmente inseri-las na sociedade. Muitos desses cidadãos usavam e usam as armas como instrumentos de trabalho, por exemplo, na caça, por isso precisamos de convencer estas pessoas. Tenho recebido muitos sobas que pedem armas porque precisam delas para se defenderem dos animais. Por isso é necessária a inserção social destas pessoas. Temos de ver o papel das instituições, como está previsto no plano de desarmamento.
JA – Filmes e outros produtos com o rótulo de culturais, promovem a violência. Estão previstas medidas para proteger a sociedade dessa realidade?
PA - Esse assunto já está sob o controlo do Ministério da Cultura que também faz parte da comissão e está a tratar as coisas com muita competência, para que as pessoas, principalmente as crianças, não se sintam aliciadas ao verem os seus ídolos musicais a participarem em filmes violentos. No programa de sensibilização as mulheres são importantes. Elas representam um papel importante. Sabem onde os maridos e filhos escondem as armas. Elas são as vítimas por isso devem participar em massa na campanha. A juventude não pode ficar de parte. Um dos problemas com a sensibilização é falta de dinheiro. O orçamento da campanha para este ano, ainda não foi comunicado à comissão e isso e dificulta a produção de meios para a campanha. Este problema afecta Luanda e o resto do país.
JA – Qual é a província onde há mais armas?
PA – Pela lógica é Luanda, porque é o maior centro populacional, para onde todos convergem. É também Luanda o maior centro de conflitos. A Huíla destacou-se muito na recolha de armas, o Huambo, Bié, Benguela são outras províncias destacadas na entrega de armas. Mas isso é relativo. Nós não promovemos a disputa de quem recolheu mais. O importante é que todas as pessoas estão sensibilizadas assunto, esperamos agora que entreguem as armas.
JA - Em Luanda quais são as áreas com mais proliferação de armas?
PA - São as áreas periféricas com uma urbanização deficiente, onde se concentra o maior número da população, com destaque para os municípios do Cazenga, Viana, Cacuaco e Kilamba Kiaxi. Mas também já diminuiu muito a proliferação nessas zonas. Apesar de ainda prevermos que exista um certo número de armas ilegais nas mãos de civis, as acções com a utilização de armas de fogo diminuíram muito. Esse é um sinal de que a campanha tem dado resultados. Hoje já podemos dizer que as armas estão mais na marginalidade.
JA – As armas recolhidas pela polícia são de entrega voluntária ou apreendidas?
PA – Até ao ano passado a entrega voluntária foi superior. Hoje podemos dizer que é quase paralela com a recolha coerciva, porque a polícia recolhe mais de dez armas todos os dias. Sem contar com aquelas que são abandonadas pelos bandidos. A polícia continua a fazer o seu trabalho com muito afinco, para recolhermos o maior número de armas possível.
JA – Muitas pessoas estão a ser julgadas por posse ilegal de armas. Quais os dados estatísticos dos condenados por esse crime?
P A - Este ano, dos mais de 200 casos remetidos a Tribunal, só 16 foram absorvidos porque na associação de crimes, o processo deixa de ser sumário e passa a ordinário. Como tem de passar por vários procedimentos há lentidão nos julgamentos. Mas a recomendação é que todos os que forem apanhados com armas devem ser remetidos a Tribunal.
JA – Quantas armas foram recolhidas até ao momento?
PA – Temos em nossa posse 80 mil armas. Até ao final do mês conseguimos ultrapassar esse número. As armas em mau estado são destruídas e as que estão em bom estado de conservação são registadas e encaminhadas para as Forças Armadas e para as polícias, de acordo com o tipo e características da arma. Há uma questão que preocupa o Ministério do Interior e a comissão: as armas que estão a ser utilizadas por meliantes são novas. Isso preocupa-nos porque não há no país nenhuma entidade privada ou particular que importe armas. É o Estado que importa e distribui o armamento. Alguma fuga se está a registar.
JA – E o que está a ser feito para descobrir os criminosos?
PA – Nas nossas reuniões temos recomendado às instituições militares e policiais para reforçarem o controlo dos seus armeiros, porque as ultimas acções que a polícia registou e até mesmo as pessoas que vão fazem participações, dizem que as armas têm aspecto novo. Deve haver algum traficante que está a sacar essas armas de alguma unidade.
JA – Existem 25 mil armas em posse das empresas de segurança, que vão ser recolhidas numa próxima fase. Quando?
PA – Estamos a ser pragmáticos nesta campanha. Não queremos criar vazios na nossa actuação de desarmamento da população civil. Um dos grandes problemas que a comissão enfrenta é a recolha de armas que estão ainda em posse das empresas de segurança privada. A actual lei das empresas privadas, é uma lei preguiçosa, porque define que devem ter armas de defesa pessoal, mas não regulamenta, por isso lhe chamo lei preguiçosa. É uma lei que está desajustada do actual momento, por isso propusemos a sua revisão. Estamos trabalhar nesse assunto e nos próximos meses vai ser levada ao Conselho de Ministro e ao Executivo uma nova lei para aprovação. A recolha dessas armas não pode ser à bruta, as empresas de segurança não sabem que tipo de armas podem ter. Defesa pessoal é muito abstracta. Temos de definir que armas devem ter, qual o tipo, o calibre, quais as suas características. Há procedimentos a ter em conta para s apetrechar as empresas de segurança com as novas armas e retirarmos as de guerra. Este ano, se conseguirmos aprovar a nova lei, vamos fazer a substituição das armas.
JA – As 25 mil armas nas empresas de segurança são oficiais?
PA – Fala-se em 25 mil armas porque é o número que a polícia tem no seu controlo. Essas 25.000 somadas às que já temos permite atingir as cem mil armas. Esta é também uma das questões que fez com que o Executivo prolongasse o período de campanha. Temos ainda a revisão da Lei do Uso e Porte de Armas. O dispositivo legal que está em vigor é de 1968, está bastante ultrapassado e não define limitações. Qualquer cidadão maior, que goze de boa saúde e esteja no seu perfeito juízo pode usar uma arma. Mas nós vamos passar a exigir que as pessoas que quiserem adquirir uma arma saibam manuseá-la. Estamos a trabalhar neste documento que já foi ao Conselho de Ministros, mas pedimos o seu retardamento, para que pudéssemos inserir algumas coisas novas e outras recomendações das Nações Unidas.
JA – Angola participou no encontro sobre desarmamento em Nova Iorque. Qual foi o impacto do relatório sobre o desarmamento em Angola?
PA – Esteve um representante das Nações Unidas no nosso encontro sobre desarmamento levou a mensagem do grande trabalho que Angola tem tido nesse domínio. O nosso país era visto como terra de guerras, de anarquia e confusões e nunca pensaram que tivéssemos capacidade de tirar as armas da população civil. Ficaram admirados por em tão pouco tempo conseguirmos recolher um grande número de armas. Outro interesse das Nações Unidas foi a forma como o Executivo se empenhou no programa, porque em poucos países isso acontece. Isso deu de certa forma uma valorização ao empenho de Angola no desarmamento.
JA – Um dos pontos do encontro foi o tráfico internacional de armas. Em relação ao nosso país temos registo de tráfico?
PA – Felizmente não temos registo de tráfico internacional de armas. Também não temos registo de armas que saem de Angola para outros países. Uma das recomendações das Nações Unidas é a remarcação e rasteio das armas, para que se identificar a origem da arma. Outra recomendação é a criação de uma base de dados. As instituições tutoras da gestão de armamento devem ter uma base de dados com o registo de todas as armas em sua posse, para controlo do armamento do país. Das recomendações retemos também a necessidade de reforçar as áreas fronteiriças.
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