Em Luanda decidiu-se quase varrer Karl Marx de todo o lado!
Vamos por partes, a rua Karl Marx dos tempos do “Científico”, passou hoje a chamar-se a avenida de Portugal, embora prolongando-se para a Frederich Engels, e cruzando-se com a Av. Lenine, que tem sido servida de alguns desníveis, em forma de viadutos. A verdade insofismável, é que a lógica da toponímia dos tempos da ditadura do proletariado, sofreu um perigoso revés, ao amputar-se uma das três matrizes fundamentais do “M-L”, e ao caso o iniciador.
Em tempos houve em Luanda um Instituto Médio Karl Marx, que partilhava as instalações e o nome com Makarenko (1888-1939) um pedagogo russo, com uma obra interessantíssima sobre educação, sociedade e intervenção educacional integrada no processo produtivo. Esse instituto que funcionava nas antigas instalações da Escola Industrial, no tempo do colono, chama-se hoje Instituto Médio Industrial de Luanda, e mais uma vez do nome Marx, fica a lembrança, dos que por lá passaram como alunos e professores, onde me incluí, ainda que por pouco tempo.
A livraria Karl Marx, julgo que também terá sido erradicada, o que convenhamos não me surpreende, pois penso, já ter havido outra apetência para a leitura no nosso País, ao invés do que acontece presentemente, aguardando que seja apenas um pequeno acidente de percurso nas motivações e solicitações culturais das pessoas. Talvez este deslumbramento, pela frenética economia de mercado, com o seus adereços, trajes, linguajar e costumes diferentes, possa vir a esbater-se, e se recuperem os tempos da leitura enriquecedora.
Com esta saga destruidora do “Marxismo” na sociedade Luandense, sobra o Cine Karl Marx, que se vai mantendo, desde que o colonial “Avis” mudou de nome, uma das mais emblemáticas salas de espectáculo da cidade de Luanda, no bairro de Alvalade, onde a média burguesia colonial angolana começou a fazer as suas vivendas, algumas delas de gosto duvidoso, situação que pelos vistos se perpetua de forma generalizada nas construções que enxameiam a cidade. Atrevo-me a chamar à Luanda de hoje, a cidade “Ray-Ban”, tal a quantidade de vidros espelhados que cobrem os edifícios.
Deixando o Karl Marx, espero que nalgumas das suas concepções de sociedade, por pouco tempo, apetece-me dar uma volta pelos cinemas da cidade, marcantes no meu quotidiano evolutivo de homem.
O “Restauração”, magnífica obra de arquitectura dos irmãos Castilho, que depois teve no que era o bar o cine “Estúdio”, é hoje a Assembleia Nacional, o que muito enobrece o espaço.
Frequentei aquele cinema muita vez, principalmente nas longas férias de Verão, e recordo-me que invariavelmente lá estava todas as matines, umas quantas vezes a pagar, outras à borla, ou a senhora da bilheteira não fosse minha prima, que como se vê o favor familiar, já se herdou do tempo do colono.
O “Colonial”, ali por detrás da Missão de S. Paulo, foi sempre a imagem que descobri no “Cinema Paraíso” (Giuseppe Tornatore-1988), e de emblemático, passou a abandonado até à sua demolição, para parque de viaturas; Convenhamos que até aqui há semelhança com um dos “cem filmes que temos que ver antes de morrermos”! Mas foi pena o velho Clo-Clo ir abaixo.
O “Império”, hoje” Atlântico” é um cinema onde me recordo de ter visto “O Musica no Coração”, de Robert Wise (1965), em que a Julie Andrews, então uma jovem, punha invariavelmente a chorar o empedrado da calçada, quando teve que se assumir como substituta da mulher perdida de Von Trappen, um militar anti-nazi, com uma resma de filhos, que passavam a vida a cantar, entre relvados e flores! Um idílio perfeito. Vi lá muitos outros, mas não me era um cinema particularmente simpático. Em 1974, um grupo de cidadãos, conseguiu evitar a exibição de um tenebroso filme racista, “Morte em Entebe”, aviltante para os africanos!
(CONTINUAÇÂO)
Fernando Pereira
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