Foram tantas as vezes que muitos de nós pedimos a Paulo Jorge, que deixasse as suas memórias, prometeu que em breve o faria, e morreu no sábado passado sem que nos tivesse feito a vontade!
As lembranças que Paulo Jorge iria deixar, eram fundamentais para perceber o que foi a diplomacia da fase de gestação e debutante da Republica Popular de Angola. Teria sido importante este legado, para acabar com uma miríade de histórias, algumas mal engendradas, que vão circulando sobre esses anos de particular enfoque no quotidiano político e militar da África Austral.
Com Paulo Jorge desapareceu uma parte do espólio, de um tempo em que a afirmação de valores de solidariedade, justiça social e igualitarismo faziam parte do léxico, e de alguma prática das nossas convicções pessoais e políticas.
Paulo Jorge nasce em Benguela em 1934, filho de um funcionário de uma açucareira, com ligações a candidaturas oposicionistas à ditadura de Salazar, particularmente empenhado nas comissões locais de candidatura de Norton de Matos e Humberto Delgado.
Vem para Lisboa nos anos 50 para estudar geologia, mudando entretanto para engenharia, curso que não acaba para se juntar à resistência angolana no exterior.
Foi membro dos órgãos sociais da Casa dos Estudantes do Império, alfobre de gente que conscientemente assumiu uma rotura com os valores do colonialismo português. Para além de excelente dançarino, era um sedutor e um exímio praticante de ténis de mesa, tendo sido campeão nacional universitário, para além de ter sido praticante federado ao serviço do Sporting.
Com Marcelino dos Santos, Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Câmara Pires, entre muitos outros, foi um entusiasta da criação da ex-CONCP (Conferencia das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas) e um dos seus particulares dinamizadores.
Esteve no “maquis”, mas a diplomacia do MPLA e depois da R.P. Angola foram uma constante no seu percurso de político, tendo sido Ministro das Relações Exteriores durante anos quer com Agostinho Neto, quer com José Eduardo dos Santos.
Nos anos 90, é governador do Kwanza-Norte e posteriormente Benguela, onde tem uma prestação de relevo. É deputado eleito em 1992, reeleito em 2008.
Homem de grande probidade, incapaz de se apropriar do que quer que fosse, assumindo até algum quotidiano espartano na sua vida, Paulo Jorge deixa-nos o exemplo do dirigente, que abraçou uma causa por convicção e nunca para se aproveitar dos lugares para proveito próprio.
Morreu a 26 de Junho, sabendo-se que sem grandes recursos, e com ele fica o exemplo de um homem fundamental nos alicerces do País e indispensável no colocar de tijolos da edificação de uma nova geografia política na África Austral.
Obrigado Paulo Teixeira Jorge!
Fernando Pereira
30/06/2010
1 comentário:
Quem nos dera a nós, angolanos, que tivessemos tido o privilégio de
sermos brindados com muitos mais benguelenses, aliás, homens de Angola, como o Paulo Jorge...
Foi, na realidade uma pena que ele não tivesse deixado as suas memórias. Mas dele, não era de esperar outra coisa. Nunca desejou que o seu nome ficasse para a posteridade... A sua humildade, a sua correcção de trato com quem quer que fosse, levava-o a ter uma única ambição: a ser sempre lembrado como um amigo e um militante do MPLA que não se desviou do seu percurso e das suas convicções. Já lhe bastavam tantos e tantos exemplos de camaradas que o haviam desiludido.
Com ou sem memórias escritas, ele continuará vivo entre todos os seus amigos.
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