Volfrâmio
Fui recentemente a Londres, e enquanto aguardava em Heathrow pelo avião de regresso, deambulando entre as lojas do aeroporto, vejo uma portuguesa radicada em Angola, que apenas conheço pela sua contínua participação em eventos e presença em revistas “cor-de-rosa” ,tão em voga no mercado emergente angolano.
Na loja da “Shwarovski”, insistia que queria uma coleira para a sua cadelinha, pois já tinha vários modelos da referida marca. Não sei se a chegou a comprar porque entretanto saí da loja, já que a conversa entre a “colunável”, e a sua intérprete era no mínimo soez.
Mais uma ilustração do trabalho que o jornal “Expresso” e a SIC fizeram recentemente sobre os “gostos apurados dos angolanos”, e que terá provocado alguns engulhos. Ouvimos, vemos e lemos muito sobre o assunto, e basta ver a pagina de anúncios do Jornal de Angola, para esclarecer, quando: “Vende-se vivenda, com gerador, blá, blá, e com garagem e quintal para cinco carros”!!!
Todas estas manifestações ostensivas de novo-riquismo, que naturalmente acompanha estes períodos de rápido crescimento económico, aliada à muita facilidade em possuir dinheiro, acabam por propiciar a aquisição de bens tangíveis e luxuosos, e transformar a sociedade numa verdadeira ficção, durante um limitado período de tempo.
Sei talvez, porque é que hoje me voltei a lembrar, do grande mestre das letras portuguesas, Aquilino Ribeiro (1885-1963) homem indómito no combate à injustiça, que lhe valeu várias vezes a prisão e o exílio. Em 1943 saiu o “Volfrâmio”, que é a imagem do Portugal rural, iletrado e atrasado, que de um momento para o outro com a II guerra mundial, vê o volfrâmio das terras de paupérrimos recursos, valorizado, permitindo que o dinheiro começasse a jorrar a ritmos nunca previstos nas aldeias do interior do território.
A obra, escrita por um homem com uma verve inigualável nas letras lusófonas, faz a descrição minuciosa, do ridículo desse período fugaz de abastança no “Portugal dos tamancos” , e os gastos em festas, verdadeiras loas ao bacoquismo, em carros que as pessoas nem faziam ideia sequer como trabalhavam, mas que punham na loja, a par do burro ou da junta de bois, não longe do porco para a matança, no jogo, artefactos de joalharia, nalguns casos pagos como tal, e mais não eram que pechisbeque, roupas caras e meretrizes, mandadas vir de Espanha para volúpias, pouco coincidentes com os códigos sexuais restritos da moral católica.
Aquilino Ribeiro foi um escritor com enorme capacidade ao colocar o seu virtuosismo, na “denuncia do que pensa e sente a gente certa”(Ary dos Santos 1937-1984), pelo que “O Volframio” fosse uma obra a ler e talvez fazer exercício de “estudo-comparado” com a situação que se vai vivendo, e que também pode ser mesmo uma situação passageira num percurso evolutivo de uma sociedade, que ainda busca valores que irão reger a sua vivencia colectiva.
Mudando de assunto, li o livro de José Milhazes, “Angola, o princípio do fim da União Soviética”, um título demasiado pretensioso para quem constantemente nos diz ao longo do livro, que os documentos importantes ainda estão arquivados e mantidos secretos. Ficamos a aguardar que os abram, para saber se os poucos depoimentos no livro coincidem.
Milhazes como eu, e muitos outros acreditámos num projecto de sociedade, que ainda se afigura cedo para se retirarem conclusões definitivas, embora nunca tenha acreditado que “o Muro de Berlim servisse para evitar que as pessoas de Berlim Ocidental fossem a Berlim Oriental (ou a Republica de Pankow, como dizia a direita europeia) roubar o que elas lá tinham”, conforme cheguei a ouvir a um ortodoxo comunista. Sobre isto, talvez fosse bom ver o “Good Bye Lenine”, esse magnífico filme de Wolfang Becker de 2003!
Em jeito de lembrete final, não deixem de ir à apresentação do livro “Tibete em África”, da minha amiga Margarida Paredes, no Chá de Caxinde às 18, 30h do dia 3 de Dezembro!
22/11/09
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