MEMÓRIA
Um acordo político que não evitou a guerra em Angola
Há 35 anos, a vila algarvia de Alvor acolheu os três líderes dos movimentos rivais de libertação angolanos para, com as autoridades de Lisboa, assinar a transferência de poderes e marcar a data da independência de Angola
Um acordo com 11 capítulos e 60 artigos selou há 35 anos, no Hotel da Penina, no Alvor, o reconhecimento português dos movimentos independentistas angolanos - MPLA, FNLA e UNITA - como "únicos e legítimos representantes do povo" da última colónia lusa em África.
Resolvidos os casos de Moçambique e Guiné, onde só havia um parceiro com quem dialogar, as autoridades saídas de Abril enfrentam uma "situação muito particular" em Angola, lembra ao DN o major-general Pezarat Correia (que participou no processo que culminou a 15 de Janeiro de 1975, no Alvor).
"Foi o caso mais complicado porque, antes de Portugal poder negociar um acordo de transferência de poder, havia que pôr os três movimentos a negociar entre si. Isso é que foi o mais difícil", diz o general, pois eles "já se guerreavam uns aos outros antes do 25 de Abril, às vezes com mais ferocidade do que contra as tropas portuguesas".
Foi preciso "negociar unilateralmente com cada um, depois dois a dois e só depois com os três, em Mombaça, já em Janeiro" de 1975, onde os movimentos aprovaram o texto comum que serviu para negociar com Portugal. Quanto às dúvidas e acusações a Portugal, nesse processo, Pezarat é categórico: "Desafio quem ler o acordo de Alvor a descobrir uma linha em que o MPLA seja favorecido." Aliás, acrescenta, "seria idiota que uma plataforma negociada em Mombaça favorecesse só um deles em Alvor".
Porém, a par dos rancores acumulados pelos movimentos no mato de um país rico em petróleo e diamantes, os apoios externos que já recebiam das superpotências e potências regionais em plena Guerra Fria também não ajudaram a reduzir as tensões. "As divisões ideológicas em Portugal [face ao MPLA, UNITA e FNLA] só vêm ao de cima após o 25 de Abril, mas em Angola eram anteriores", frisa Pezarat.
O facto é que as divisões em Lisboa não desanuviaram a desconfiança dos movimentos armados. O "projecto pessoal" do então presidente Spínola "afectou muito a posição portuguesa", sublinha ao DN o coronel José Villalobos Filipe (militar então colocado em Angola). Provas? O "adiar da lei" que reconhecia o direito das colónias à independência e "os encontros" com os homólogos Richard Nixon (EUA) e Mobutu (Zaire), onde "toda a sua comitiva não foi admitida às negociações", enfatiza Villalobos Filipe.
Acresce que, em Junho de 1974, chega a Luanda um governador - Silvino Silvério Marques - que, defendendo a tese integracionista, "favorecia as posições [federalistas]" de Spínola. O choque com os militares do Movimento das Forças Armadas é imediato. "Exigimos a sua substituição", lembra o coronel.
A Junta Governativa que lhe sucede semanas depois, liderada por Rosa Coutinho, só tinha "mandato para chegar ao Alvor", diz Pezarat Correia, coincidindo com Villalobos Filipe ao frisar que, "excepto o MPLA, apoiado pela burguesia, os outros movimentos não apareciam para falar". Quanto ao almirante, assegura o general, só no Verão de 1975 e já sem responsabilidades em Angola é que "toma posições objectivamente "favoráveis ao MPLA".
Pensar e Falar Angola
1 comentário:
Interessante ver este texto. Lembro-me de quando era criança, deveria ter os meus 8 ou 9 anos e ter assistido a todo aquele movimento de gente e equipamentos de televisão, pois vivia em Alvor. Não fazia ideia do que se estava a passar. Mas hoje compreendo que assisti ao fim do império.
Enviar um comentário