Estamos nataliando, e esperava-se provavelmente uma crónica à volta de renas, pais natais, presépios, cabazes, doçarias, bacalhaus e outras vitualhas, adaptadas às circunstâncias do desenvolvimento e inerente envolvimento!
Hoje o tema é sobre uma situação que trouxe em polvorosa algumas pessoas, meios políticos e culturais do País, por João de Melo, ter vencido o prémio de Literatura e Artes atribuído pelo Ministério da Cultura em 2009.
Quero fazer desde já uma declaração prévia de interesses: Sou amigo de João de Melo. Foi meu colega de turma vários anos no Salvador Correia, percorremos juntos locais de Coimbra enquanto estudantes, fui seu colaborador regular no “Correio da Semana”, sou admirador da sua obra literária, e acompanho com entusiasmo qualquer projecto onde participe, pois habituei-me a dimensionar a o seu civismo impoluto.
Acho que João de Melo há muito que merecia este prémio, e não o digo por simpatia, mas porque acho que é um dos escritores angolanos com obra solidificada e com leitores fiéis, sem ter procurado colocar-se em bicos de pés, ou na busca quase doentia de protagonismo a qualquer preço, para se promover, como há exemplos suficientes na escrita doméstica e exportada.
João de Melo, foi sempre uma pessoa discreta, simultaneamente sagaz e hábil na construção das palavras assertivas, num espaço de intervenção política que sempre foi seu, geneticamente herdado, e militantemente afirmado. Nunca foi pessoa a quem se pedissem meias-palavras, penumbras lógicas e matizes indecisas. Foi deputado pelo seu MPLA de sempre, e se hoje faz parte dos quatro milhões de militantes (?), houve momentos em que ele era militante e à sua volta estavam apenas quatro múltiplos de cem, depois 4 múltiplos de mil e por aí fora, até não termos uma praça em lado nenhum para juntar tanto militante, tanta divergência ideológica, política, religiosa, económica e étnica num quadro muito difuso de “socialismo democrático”, ou “partido de esquerda”, matrizes tão enfatizadas recentemente no VI Congresso do MPLA.
Viriato da Cruz merece este prémio, mas antes disso merecia que não fosse tão ostracizado da memória colectiva dos angolanos, e do próprio MPLA, movimento que fundou e liderou.
Não conheci Viriato da Cruz, e sempre que tentei saber algo sobre ele, vi barreiras demais, o que ainda aumentava o número de interrogações. O que conheci primeiro dele, foram os seus poemas, e acho que ele há-de vir a ser Prémio Nacional de Literatura e Artes, mas tenho a convicção que primeiro é necessária uma catarse, para que Viriato da Cruz não continue a ser ignorado pelos angolanos, e que o seu papel na história de Angola e da sua libertação seja relevado da forma solene, com dignidade, e que Angola se obrigue a olhar para as pessoas que lutaram e acreditaram nela como País, de uma forma reverente.
Em síntese, é indiscutível o merecimento de João de Melo pelo prémio, como é indiscutível que é urgente dignificar Viriato da Cruz, independentemente de percursos descontinuados em determinadas circunstancias.
Angola necessita pouco de “Engenheiros de Almas”, como Estaline chamava aos intelectuais e jornalistas em 1936, e este episódio da atribuição do prémio, ainda vai deixando pairar que não terão findado alguns tiques de ortodoxia dispensável, pelo menos nestes casos. Acabou por ser levado para um campo falacioso, e só algum bom senso manteve a dignidade do prémio, premiados e júri, que mereciam pouco esta exposição pública, pelo menos da forma como aconteceu.
Quis comparar-se, e mal, diga-se de passagem, a atribuição do prémio Camões, e recusado por Luandino Vieira. As razões aduzidas não tinham comparação nenhuma com este caso, e se querem manter o argumento, não deixem de se lembrar que quando Luandino recusou, o prémio foi entregue ao extraordinário Luis Miguel Cintra, um dos melhores actores do teatro e cinema português, encenador emérito e fundador em 1973 do Teatro da Cornucópia. Pode-se dizer que um ao recusar e o outro ao aceitar, equivaleram-se em prestígio, pois são ambos excelentes, e nenhum deles perdeu as qualidades com que foram distinguidos.
Um bom “Dia da Família” para quem vai tendo paciência de me ler.
15/12/09
Pensar e Falar Angola
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