Tenho trinta e sete anos
Já conheci a prisão
o exílio e o hospital...
Como atraso de vida
não está mal, nada mal.
Ernesto Pires Barreto de Lara Filho, simplesmente Ernesto Lara Filho, nasceu em Benguela em 1932 e faleceu no Huambo em 1977 num trágico acidente automóvel.
Tirou o curso de regente agrícola na Escola Nacional de Agricultura de Coimbra.
Andou pela Europa, viveu em tempo em Moçambique, regressando para Angola fixou-se em Luanda, onde exerceu várias profissões como a de jornalista. Foi locutor na Rádio Brazaville, operário especializado de 1ª classe nos Serviços de Agricultura e Florestas de Angola, foi preso por motivos políticos, pela polícia política portuguesa.
Ernesto Lara Filho foi jornalista, poeta e cronista, tendo contribuído com produções suas para vários jornais e revistas.
Foi co-fundador, em 1975, da União dos Escritores Angolanos, em Luanda.
Picada do Marimbondo, 1961
O Canto do Martrindinde, 1963
Seripipi na Gaiola, 1970
Crónicas da Roda Gigante, 1990
Comecei a pintar. Isso torna-se agora uma obsessão para mim. Gastei para cima de 400$00 na Lello em tintas, papéis e pincéis. Comecei pelo carvão e tenho aqui duas coisas que não me envergonham... Depois te mostrarei. Acho que estou a pique de encontrar o «meu meio de expressão». Só agora verifico, tão tarde! que não será a escrever que me tornarei alguma coisa. O que tenho a realizar. acho que é na pintura que o devo procurar. Extracto de uma carta a Rebelo de Andrade, Lépi, 22 de Setembro de 1961.
Picada de marimbondo
(Para o Pila – companheiro de infância)
Junto da mandioqueira
perto do muro de adobe
vi surgir um marimbondo
Vinha zunindo
cazuza!
Vinha zunindo
cazuza!
Era uma tarde em Janeiro
tinha flores nas acácias
tinha abelhas nos jardins
e vento nas casuarinas,
quando vi o marimbondo
vinha voando e zunindo
vinha zunindo e voando!
Cazuza!
Marimbondo
mordeu tua filha no olho!
Cazuza!
Marimbondo
foi branco que inventou...
(Antologia de poesia da Casa dos
Estudantes do Império - Angola e
S. Tomé e Príncipe)
VISÕES
para Alda Lara
Há uma acácia rubra plantada no centro do cemitério
do Dondo
lá, onde morreste e foste sepultada.
Depois disso
nunca mais o leão da anhara que trago dentro de mim
rugiu.
Um arbusto cresceu no meio do capim
e o elefante passou
e não comeu as suas folhas.
As cubatas de Kalupere estão cobertas de colmo
N'Dola de pescoço ornado com um colar de missangas,
pequenas missangas que brilham,
sorri para mim
e eu, não a vejo.
A hiena espreita os restos do leão
o lobo corre atrás dos cabritos de Chipinde
mas o leão da anhara que trago dentro de mim
já não assusta ninguém
nunca mais rugiu nas noites escuras sem luar,
é o cordeirinho balindo na nossa infância perdida.
Os velhos dizem que os bois têm medo
de atravessar o rio, por causa dos jacarés.
Passam mulatas
homens listrados como zebram
são meus irmãos.
As cubatas de Kalupere estão cobertas de colmo
a serpente é o símbolo da fertilidade
o leão nunca mais rugirá.
O abutre virá amanhã comer as galinhas de N'Dondo
a galinha nunca voara como o abutre
Kalupere sorri sempre que passa no entroncamento
dos caminhos.
Sabe-se lá por que é que ele sorri?
Rocadas, Maio de 1967
Pensar e Falar Angola
1 comentário:
Muito boas as poesias deste blog. Muito gostoso ler poesias de lugares diferentes que atentam para o regionalismo, isso encanta!
Parabéns,
Abraço,
Rafael
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