Aproveitadamente, utilizo este título para homenagear João Ubaldo Ribeiro, que merecidamente, recebeu o prémio Camões, e apenas posso dizer que “Viva o Povo Brasileiro”, é um dos poucos livros que todos devíamos ler, antes de ir para o repouso, que muitos julgam etéreo. Desvou perder muito tempo a falar do João Ubaldo Ribeiro, porque a partir do momento em que é premiado, toda a gente tenta vasculhar, para saber quem é o escritor.
Para que conste, devorei muitas crónicas suas em jornais, digo-o sem pruridos, plagiei uma parte do seu livro sobre futebol, que era uma colectânea de artigos feitos para a Globo. Sinceramente, não gostei de ler o seu livro mais controverso, “A casa dos budas ditosos”.
Ainda sobre Ubaldo Ribeiro, vem a talhe de foice, uma resposta sua sobre o facto do “Viva o Povo Brasileiro”, ser um livro “obeso” em termos de apresentação, algo que era inabitual em si, ao que ele diz com o humor que o caracteriza, que “Um bom livro tem de se manter sozinho em pé”, e em setecentas páginas, a história do Brasil mescla-se com a nossa e com a portuguesa, duma forma alegre, numa síntese perfeita:” O segredo da Verdade é o seguinte: não existem fatos só existem histórias”.
Já que o assunto, é um circunstancial devaneio sobre as letras brasileiras, não gostava de deixar de mencionar o meu eleito, Graciliano Ramos, que numa resposta em 1948, definiu a escrita apenas nisto: "Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxaguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.". Graciliano Ramos, numa determinada classe de mestres de literatura anglo-saxónicos liberais, era “um pouco o William Faulkner brasileiro”, numa xenofobia involuntária, mas a realidade, é que ambos trilharam caminhos iguais talvez sabendo pouco um do outro, e ambos foram proscritos por intolerância política nos seus países. Importa salientar que Faulkner foi nas décadas de cinquenta e sessenta, uma referencia de tomo na literatura latino-americana, o que foi excelente, embora isso seja mais evidente na escrita de expressão castelhana do que na portuguesa.Neste deambular rápido pela escrita, não posso omitir que Jorge Amado foi referente, na minha afirmação ideológica e política, numa fase algo debutante, o que me fez ler com enorme sofreguidão a sua obra completa, e ter relido os seus “Subterrâneos da Liberdade”, obra marcadamente panfletária, e onde o arquitecto Óscar Niemeyer é uma personagem relevante. Penso que a fase final da escrita de Jorge Amado foi deprimente, e sinceramente podia-nos ter poupado, a que tivéssemos que ler Zélia Gatai, essa sim uma poeta menor, não “medíocre”, porque detestaria ser acusado de sobranceria no uso da palavra.
Tendo em conta que se falou de “um livro que se mantenha de pé sozinho”, vou recomendando a leitura de um “com obesidade mórbida”, que tem 900 páginas, mas que foi nos últimos tempos a coisa que mais sono me tirou, tal a “voracidade” com que o li: “As Benevolentes” de Jonathan Littel, que é uma descrição pungente, sem cinismos, da ascensão e queda do nazismo na Europa, descrito por um oficial nazi, que assume tudo sem que no livro se veja qualquer remorso, ou qualquer tentativa ainda que pueril de expiação, por tudo o que fez, assistiu e consentiu e acreditou (Editado em português pela D. Quixote).
Sem comentários:
Enviar um comentário