Março Travesti - Manuel Vitória Pereira
30 Março 2012
Luanda - Bem gostaria eu de escrever “Março Mulher”! Mas o travestismo do momento leva-me a escrever assim: Março Travesti. Travesti é, como todos sabem, quem se veste como exemplar do sexo oposto. Um homem pode virar mulher em tudo, menos debaixo da saia, e vice-versa. Mesmo o nosso carnaval popular foi abundante em travestismo, ainda que não fosse por tendência ou orientação sexual. Em cada esquina, havia comentadores que sugeriam que no Entrudo se revela muita coisa, mas isso é má-língua.
Antes de falar no travesti que está mais na moda, lembraria que no teatro clássico de algumas culturas orientais e ocidentais, as personagens femininas eram representadas por homens, por estar o palco vedado a mulheres, isto por suposto decoro. Assim foi no kabuki japonês, no teatro grego e até no shakespeariano. como se desse modo as coisas ficassem mais decentes. Mesmo o nosso David Mendes, enquanto actor e encenador, justificava uma actriz num papel masculino para os maridos não se chatearem ao verem as suas senhoras, “a se bejar na bóca” contra homens, pelo que a cena era feita entre elas, mulher contra mulher, como se fosse na ilha de Lesbos, para delícia da poetisa Sapho.
Travestis politicamente correctos povoaram Hollywood: Desde Jack Lemmon e Tony Curtis em “Quanto mais quente melhor”, passando por Dustin Hoffman em “Tootsie” e Julie Andrews em “Victor Victoria”. Mesmo Robin Williams em “ Papá para sempre” viria a encarnar o pai que se mascara de mulher para poder ser ama-seca dos próprios filhos, cuja tutela perdera no divórcio.
Mas não quero falar destes travestis do palco e do ecrã. Falo do que entre nós está mais in, frequentando a socialaite com seus generosos implantes e fazendo pensar se ali está uma mulher feia ou bonita, um transexual devidamente amputado ou o corriqueiro travesti que parece mas não é.
Falo do travesti mais em voga:
O regime político que se travestiu de democrático, mas que continua a ter a dita…dura debaixo da saia. É elogiado no único diário nacional, que acusa o exterior de manobrar contra ele/ela, mas vai negociando com as mesmas forças alienígenas a riqueza nacional e o benefício da dúvida sobre a sua democracia e, tal como a bruxa da Branca de Neve, pergunta ao espelho bajulador do seu séquito: “Mágico espelho meu, haverá travesti mais bonito do que eu?”
A resposta é sabida, num coro de plutocratas, gangsters, tachistas e ex-intelectuais:
“Só tu és bela, minha rainha.”
“Só tu és bela, minha rainha.”
Falando em Março, queria fazê-lo no feminino, mas neste mês o poder travesti saiu do armário: reprimiu, bateu, sequestrou, invadiu domicílios e redacções de jornais, se não matou foi por sorte. Ou matou? Não há batom que chegue para ele, com a devida vénia, Rafael.
Obs: Rafael Marques foi o autor do artigo “O batom da ditadura”. A ideia do espelho da bruxa, roubei-a duma entrevista do Bonavena, dada ainda no século passado. Se há que roubar, que se roubem as melhores ideias dos melhores.
Pensar e Falar Angola
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