Acabei de ler “Loanda, Escravas, Donas e Senhoras” de Isabel Valadão, editado recentemente pela Bertrand e o que se oferece dizer é que estamos perante um livro interessante, um romance vivo e que nos transporta para um período da vida da cidade de Loanda pouco conhecido e divulgado.
Uma história em que as personagens centrais são duas senhoras, alforriadas e que marcam o seculo XVII de uma cidade masculinizada em todo a sua estrutura económica e política, onde as mulheres tinham um lugar de total subalternidade, sem qualquer visibilidade, numa sociedade onde a ordem era mantida a ferro, fogo e intriga.
A Igreja católica era o braço ideológico do fraco poder colonial, e as regras impunham-se num quotidiano de miscigenação cultural onde as religiões animistas, a feitiçaria, os ritos e mitos acabavam por desembocar num paradigma social que pontualmente prevalece hoje, passados séculos, regimes e revoluções várias.
A autora deste “Loanda” viveu em Angola um período de tempo, e agradece ao Pepetela a motivação, ainda que indireta, surgida depois da leitura da “Gloriosa Família”.
Já que se fala em mulheres com protagonismo não gostava de deixar de fazer uma referência positiva à interpretação de Meryl Streep, no papel de Margaret Thatcher no filme “ The Iron Lady”. Embora o filme seja assente na biografia da ex-primeira ministra britânica, e releva pouco a sua atividade política no contexto internacional que de braço dado a Ronald Reagan conseguiram transformar o mundo na desorganização global que hoje se vai assistindo.
Numa primeira fase Margaret Thatcher conseguiu suster a inflação na Grã-Bertanha através de políticas de desinvestimento no sector público, levando a cabo uma autêntica revolução quando privatizou a economia e cedeu uma parte do serviço nacional de saúde inglês à voracidade de grupos económicos e seguradoras privadas. Estendeu isso ao ensino e a realidade que se vive no Reino Unido hoje é bem diferente dos tempos em que a educação e o serviço nacional de saúde inglês eram referências para projetos noutros países onde se tentou levar à prática o slogan da OMS, “Saúde para todos no ano 2000”.
O Tatcherismo e o Reaganismo conseguiram, numa luta sem quartel a tudo que não tresandasse a neoliberalismo, montar uma economia mundial em que o aumento das desigualdades dispararam nos países desenvolvidos e tornaram-nas numa pandemia de proporções gigantescas em países em vias de desenvolvimento, sem que se almeje ver o futuro.
A experiencia do “laissez faire, laissez passer” é uma mezinha de parcos resultados na economia que a “dama de ferro” acolitada por Reagan impuseram durante quase uma dezena de anos, assente numa política de proteger a tirania e os vilões, entre os quais se destacou Pinochet.
Porque a omnipresença da Igreja Católica é quase recorrente em qualquer atividade política e social, não fiquei surpreendido quando a Republica de Angola, um Estado constitucionalmente assumido como laico recua, quando aventa a hipótese de regulamentar a interrupção voluntária da gravidez.
A Igreja Católica, sempre atenta às movimentações dos governos e suas oposições, mal ouviu falar que se preparava uma “lei do aborto” logo se multiplicou em declarações que de facto acabaram por se revelar decisivas para que o projeto nem passasse de uma mera declaração de intenções, o que é extraordinariamente aviltante para a sociedade e acima de tudo para a mulher angolana que é demasiado ostracizada e mal tratada no quotidiano machista do País.
Acho que a Igreja fez o que deveria ter feito, dentro da sua lógica de defesa dos seus princípios confessionais. Que as autoridades da Republica tenham recuado, sem sequer trazer para a discussão pública um tema, é determinante na sociedade angolana atual é revelador de uma insegurança e quiçá seguidismo completamente indesejável e indicia alguma fragilidade perante um quadro que devia estar balizado em termos de competências e responsabilidades.
Que o tema volte rapidamente à discussão, ou não acontecendo que se extinga o Ministério da Família e em seu lugar se crie o Ministério das Inter-Confissonalidades.
«À pessoa que descansa em si não lhe interessa o tempo; a evolução não deve levar o tempo em conta.»
Fernando Pereira
22/2/2012
Pensar e Falar Angola
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