sexta-feira, 13 de abril de 2012

Achegas para a História de Angola (1)


‎1975 O ano de 1975 começa com a instalação do Governo de Transição, no qual o equilíbrio tinha de ser feito no fio da faca. A FNLA queria desde o início tomar Luanda pela força A guerra instala-se também em Luanda. O MPLA era a força política mais rica mas por absurdo que pareça, a força militar mais fraca. Dilacerado por divisões internas, teve também de fazer frente a poderosas inimigos: a FNLA entrou com o exército zairense, a UNITA vinha de acordos com o exército colonial, ao sul a Namíbia ainda era sul-africana e todos os dias um número incalculável de namibianos fugia atravessando a fronteira, outros eram capturados pelos sul-africanos.
O 25 de Abril nasceu em Luanda no berço de um massacre que os taxistas fizeram no Cazenga e depois com o assassinato de Pedro Benge. E os colonos mais reaccionários, nos meses seguintes, faziam comboios de carros e percorriam as ruas aos tiros. A minha casa ficou cravejada das suas balas, assim como tantas outras. PNas fábricas, os angolanos eram tratados como «serventes», mesmo que tivessem alguma especialidade técnica. E recebiam salários miseráveis em relação aos trabalhadores brancos. Na pescaria da Barra do Kwanza os trabalhadores negros eram alimentados com peixe seco podre (eu vi, no local). Então começaram as greves por todo o lado, por melhores condições de trabalho. Na Siderurgia, na Textang, no porto de Luanda, no Huambo, no Lobito, etc, etc. O camarada Lúcio Lara disse que o MPLA não via com bons olhos as greves selvagens e que as lutas deviam ser enquadradas pelos sindicatos, mas as pessoas viviam mesmo mal. O sistema colonial foi edificado para enriquecimento das metrópole e dos colonos à custa do trabalho intensivo dos colonizados.
Mas o Governo português estava preocupado com a população branca e o primeiro-ministro português na altura disse em Outubro de 74: «Nada será feito em Angola sem o acordo da população branca…», ao que o MPLA respondeu de imediato: «A descolonização de Angola não pode realizar-se por processos que reflictam o acordo com qualquer raça ou etnia, inserindo-se deste modo numa linha racista e tribalista…»
O MPLA, como disse, tinha tendências internas, por ser uma organização que admitia autonomia no seu seio (sempre foi uma característica do MPLA): primeiro a Revolta Activa de Mário Pinto de Andrade contra a direcção de Agostinho Neto, ao mesmo tempo quase a Revolta de Leste de Daniel Chipenda, também os grupos com muita ideologia, que passo a citar.
Os Comités Amílcar Cabral (CAC), da extrema-esquerda maoista, muito activos, apoiando Agostinho Neto. Os Comités Henda, também muito activos, também da extrema-esquerda maoista, também apoiando Neto. O grupo ideologicamente ligado ao Partido Comunista Português que veio a apoiar as teses «pró-Moscovo» de Nito Alves, tinha alguns militantes professores na escola 1º de Maio, como o professor Rui Coelho. E havia outros grupos por todo o lado, sem essas ideologias «importadas».
Todos tinham muita actividade pró-MPLA e contra a FNLA e a UNITA.
Eu vou, frontalmente, dar a conhecer a minha posição na altura: eu era dos CAC, tinha uma posição muito extrema, era maoista, apoiava Agostinho Neto. dirigia a revista da Liga Nacional Africana «Angola», fazia o jornal do MPLA «Vitória Certa» e em Abril viria integrar o Governo de Transição pelo MPLA. 
Eu tinha alguma experiência de contacto com Nito Alves na Primeira região e acompanhei muitos camaradas no Centro de Instrução Revolucionária – CIR – Certeza.
E então como já disse tive acesso á cartilha política decalcada de um manual soviético escrito por Afanassiev. Não era uma cartilha angolana. Então eu fiz uma crítica muito dura na revista «Angola».
Estávamos em fins de 74, tempos muito complexos.
Foi aí que Nito Alves eu nos tornámos adversários políticos.
Em Janeiro de 1975, creio, fez-se uma visita à Primeira Região e eu publiquei em Fevereiro uma extensa reportagem, mas fiquei nessa altura com a forte impressão de que Nito Alves pretendia seguir o seu próprio caminho, formar o seu próprio partido. Isto foi, repito, em princípios de 1975. 
A reportagem com entrevistas incluídas esteve para não sair, recordo-me, porque já havia no MPLA quem pensasse que Nito poderia eventualmente dar um golpe, pois estava a ficar com muita força no Bureau Político. 
Ele tinha ido da Primeira Região para Luanda com alguma força militar que se instalou no antigo Bairro Operário e pensava ter algum poder por causa disso e na verdade devo reconhecer que esses militares tiveram o seu papel na luta armada contra a FNLA. (O Bairro, em cuja extremidade eu residia com os meus pais, chegou a ser cercado e bombardeado várias vezes pela FNLA no decurso de 1975) 
Mas também os militares angolanos no exército português tiveram o seu papel ao lado do MPLA. O nosso camarada Jorge Pessoa teve um papel determinante na sensibilização e mobilização destes militares para a luta do MPLA. Foi também um herói nessa altura.
Para mais, quando Nito Alves se instalou em Luanda os seus amigos proporcionaram-lhe (não foi só a ele) um estilo de vida que eu considerava excessivo, eu na altura tinha uma posição muito radical, radical de mais, talvez, mas não só eu, o meu aluno António Sebastião Neto publicou um texto na revista com o título: «Contra os camaradas que vêm das matas e se aburguesam em Luanda». Nito assumiu que a crítica era contra ele e então ficamos ainda mais adversários.
Eu trabalhava no DIP na Vila Alice, coordenado pelo camarada do BP Dilolwa. Fiz uma proposta para fazer o jornal Vitória Certa, que foi aceite e então passei a dedicar-me ao nosso jornal.
Sei que corro risco ao dizer isto mas não me importo: eu estava preocupado com a força emergente de Nito Alves. Então pedi uma audiência ao Camarada Agostinho Neto e ele recebeu-me no Futungo numa casa que tinha sido pertença de um português chamado Zeferino Cruz. Eu expus as minhas preocupações quanto à posição de Nito Alves, eu não tinha dúvidas, Nito preparava um golpe. Mas aquele não era o meu tempo. 
O Camarada Agostinho Neto olhou para mim e disse que Nito Alves lhe merecia toda a confiança. Fiquei respeitosamente em silêncio, não respondi, tinha feito o que achava ser meu dever de militante.
Para que não hajam dúvidas, eu reafirmo que em meados de 1975 eu disse ao Camarada Agostinho Neto que tinha fortes suspeitas de que Nito Alves preparava algo…
Nessa altura os Comités Henda apoiavam Nito Alves, mas depois distanciaram-se, quando Nito se ligou aos militantes do MPLA relacionados com o Partido Comunista Português que passaram a ser os seus mentores (Rui Coelho, Sita…). Os CAC eram ferozmente contra Nito Alves. (Continua)



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