Comecei a ler Charles Dickens (1812-1870) influenciado por uma série inglesa de grande qualidade, “David Copperfield” que passou na bafienta TV em Portugal, corriao ano de 1968. O entusiasmo pela série levou-me a comprar o livro, que ainda tenho, numa pobre encadernação das edições Romano Torres. Era entediante, mas lá consegui acabá-lo, decepcionado em relação à adaptação televisiva. Estava a carpir a decepção, um professor dá-me o Oliver Twist (que depois vi em filme), e acho que foi a partir daí que terei iniciado o meu percurso de cidadão de esquerda e permanentemente inconformado.
Na comemoração dos duzentos anos do nascimento de um dos nomes maiores da escrita vitoriana, era impossível olvidar a efeméride, porque foi de certa forma Dickens que ilustrou a miséria que alavancou as posições assertivas de Marx e Engels num século XIX de enorme pujança na discussão filosófica, histórica e política.
Há cinquenta anos, Vinicius de Morais e Tom Jobim, habitués de muitos botequins no Rio de Janeiro, particularmente do “Bar Veloso”, compuseram uma das imorredoiras músicas da Bossa Nova, “ A Garota de Ipanema”. A musica de expressão portuguesa mais conhecida no mundo, tocada em todas as latitudes e gravada por centenas de intérpretes desde alguns famosos como Frank Sinatra, Armstrong a muitos que permanecerão incógnitos.
Hoje, o artigo é de efemerizações e como tal não posso esquecer que mais uma vez comemoramos o 4 de Fevereiro de 1961, e mais uma vez banaliza-se a data com comemorações demasiado repetitivas em que o acto político acaba por se transformar num ritual onde todos sabem antecipadamente o que vai ser dito e glorificado.
Quando olho para o estado de degradação do forte do Penedo, um dos locais que os homens do 4 de Fevereiro atacaram tentando libertar presos que estavam em risco de deportação, fico com a sensação de enorme impotência perante um edifício vulgar mas que merecia ser um local com alguma dignidade para evocar uma data importante no quotidiano histórico recente do País.
Olho para tanto gasto supérfluo que se vai fazendo, que acho que seria de toda a utilidade que se gastasse uma verba significativa na recuperação do forte e se instalasse no seu interior um “4 de Fevereiro de 1961” interactivo, de efeito potenciador no entusiasmo de crianças e jovens a quem a data vai dizendo cada vez menos, até cair no esquecimento.
Era muito importante fazê-lo, porque cada vez há menos gente para contar como foi o 4 de Fevereiro de 1961, e mesmo as descrições de alguns participantes tem hiatos que não permitem fazer um encadeamento consequente de tudo o que se passou nessa madrugada cada vez mais distante.
Completamente descabido continuarmos a querer uma cada vez maior envolvência das pessoas nas comemorações, daí talvez a necessidade de adaptarmos as datas a mostras com novas tecnologias, um “4 de Fevereiro de 1961 virtual”, mas que mostre a realidade do que foram esses momentos que marcaram a história recente do País.
Há exemplos desses pelo mundo todo, desde mostras muita elaborada a aplicações simples mas imaginativas e pedagogicamente com resultados de excelência. Já visitei muitas mostras desse tipo, e ainda recentemente em La Guernika, no País Basco Espanhol vi umano museu evocativo do bombardeamento alemão à localidade em 26 de Abril de 1937,assisti à réplica do que foi esse dia de horror para a pequena vila, magistralmente glorificada na tela de Picasso em exposição no Museu Reina Sofia em Madrid, visita que recomendo vivamente.
"A História é a puta mais deslavada e maltratada de que há memória, de quem toda a gente se serve e que ninguém respeita nem paga o devido preço pelo uso e, quantas vezes, abuso.”.
Desculpem o destempero, mas há palavras de outros que serão melhores que as nossas para expressar o que queremos.
Fernando Pereira
14/2/2012Pensar e Falar Angola
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