sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Para além do CAN - Pepetela


A CRÓNICA DE PEPETELA
Gente com língua de gato

JURO POR TUDO, não quería tratar este assunto. Até já tinha uma crónica prontinha para o número de Janeiro, falando de coisas mais interessantes.
Mas houve alteração de programa e pedem-me os editores para escrever sobre algo relevante que aconteceu este ano em Angola, a jeito de tiro final. E sou obrigado a cometer o que recusava fazer: escrever sobre lambe-botas, atipicismos e outras esdruxulices que relampejaram nos calmos e previsíveis céus da política cá do burgo.
Há tentativas de revisão constitucional, comissão, metodologia e propostas para se conseguir obter nova lei magna. Parece ser desperdício de tempo e talentos. Para alguns será sempre um ganho, atirando algumas questões importantes para mais longe, mas a insinuação vem de maldade minha, concedo. Só num aspecto me parece útil, e diz mesmo respeito ao sistema do poder: se acabarem com o dito semi-presidencialismo, fico contente. Porque essa invenção francesa, talvez sirva para eles, que sempre foram de andar entre o peixe e a carne. Os portugueses imitaram-nos e também não se sentem confortáveis com o sistema, embora nem ousem dizê- lo em voz alta. Os europeus têm suas idiossincrasias que devemos respeitar.
Mas já o Presidente de São Tomé e Príncipe veio muito acertadamente reconhecer que a principal causa de instabilidade política do seu país tem a ver com o regime semi-presidencialista.
Para o resto, não vejo utilidade de tanto dinheiro gasto para se mudar uma lei. Ainda por cima se não se respeita a metodologia adoptada para o fazer.
Muito provavelmente, só o peixe miúdo vai apanhar com essas regras em cima e forçado a obedecer, pois os graúdos passarão por cima dela com 4x4 de luxo. Afirmo, fazendo chover mais no molhado, um partido mudando à última hora a proposta que todos os seus membros defendiam a golpe de catana se necessário fosse, presumivelmente estará a jogar contra os regulamentos. Se fosse um cabolas qualquer a tentar jogar em fora de jogo, logo o árbitro lhe dava cartão vermelho.
No entanto, a Constituição que vai ser mudada nunca foi cumprida, o semi-presidencialismo idem, quem duvida?
Mas o espantoso não é isso, estamos habituados a que não se respeite metodologias e acordos passados; o espantoso é que bastou o chefe dizer que talvez tivesse outra ideia para todos declararem que nunca estiveram de acordo com a proposta apresentada com fanfarra e fogo-de-artifício, para se arregimentarem militante e agressivamente atrás da palavra do chefe. E lá vimos os mesmos de sempre a argumentar convictamente sobre a perspicácia, a ousadia intelectual, a inovação, etc. (já se conhecem os encómios dos discursos de fim de ano ou de aniversário)...
O lambe-botismo de alguns políticos e comentadores raia a sem-vergonhice mesmo. Estão lá só para cantar angélicas melodias aos ouvidos de quem manda e apanhar as migalhas. O problema é que de tanto lamber botas os responsáveis menores e intelectuais de plantão já têm a língua áspera como lixa.
De onde se conclui que o melhor militante é o que tem língua de gato. Por isso, a entrada para um próximo congresso será a aspereza da língua.
Certamente 2010 trará novas surpresas. É a nossa idiossincrasia. Por isso deve haver presidencialismo puro e duro, sem atipicismos moderadores, ou sim ou sopas, ou carne ou peixe, abaixo o semi! A propósito, só uma dúvida: bacalhau é mesmo peixe? É que se aproxima o natal e nós comemos bacalhau com vinho tinto, como se de carne se tratasse. Perplexidades típicas de afrancesados!

ÁFRICA 21

Pensar e Falar Angola

1 comentário:

Carlos Afonso disse...

Pepetela está cada vez mais desalinhado. Concordo com ele quanto à mudança de regras fora de tempo e até acho que um regime mais claro, no caso presidencialista, corresponde mais à prática.

Quanto aos europeus ocidentais tendem a ter regimes onde se o representante máximo é eleito universalmente a tendência será um regime semi-presidencialista, se o presidente é eleito pelo parlamento o regime tendo para o regime parlamentar, tal como quando o chefe de estado é monarca algo que na Europa é comum.