domingo, 25 de maio de 2008

(15) Ágora - Dar Asas à memória (III)



Já que se fala de hotéis de Luanda dos anos 40 e 50, que tal lembrar o Miradouro, onde hoje é a sede da DNEFA, e que foi nos tempos do colonialismo a delegação da PIDE-DGS, de má memória a tanto angolano; É o que se chama o edifício de concepção errada, no local certo, e teria sido tão fácil faze-lo um hotel de referencia em Luanda, se tivessem tentado copiar as características fundamentais das características arquitectónicas da embaixada britânica ali mesmo ao lado, aliás um excelente exemplar de casa colonial vitoriana.


Nos anos 50 começaram a despontar na Luanda que prosperava, com a subida do preço dos produtos angolanos no mercado internacional, nomeadamente o café, um conjunto de empresários da hotelaria, ou melhor uns arrivistas que apostavam no ramo. O sobredimensionado Trigo, um espanhol, que aparece em Luanda e abre o Hotel Universo, ali na Rua Cirilo Conceição e Silva, em frente ao Nogueira Lda. (uma firma que era um império na RDC, e que começou por ter um barco-loja que subia e descia o rio Zaire sempre a vender e a reabastecer-se). Conheci este hotel muito bem pois foi meu poiso em miúdo, até vir viver para Luanda em 1963, e conheci muito bem o Trigo, que era de uma simpatia extrema, e que em determinada altura criou nas traseiras do seu “Universo” uma casa de fados, o “Pateo”, um nome castelhano para um local onde se cantava uma canção tipicamente portuguesa. Para além da casa de fados, o Trigo, abriu um night-club, que foi um excelente complemento para os negociantes do café selarem bons contratos, em que a líbido e o álcool, tantas vezes marado, proporcionavam excelentes mais-valias a muitos e quiçá a muitas, com a utilização frequente à velha “táctica do peru”.


Abre no inicio dos anos 50, na Avenida do Hospital (Av. da Assembleia Nacional), o “Hotel Angola”, estabelecimento de “elevada classe”, propriedade do Sr. Cunha, conhecido em Luanda pelo Cunha dos Caixões, pois era proprietário de uma funerária, a primeira já com algum “know-how” na matéria, como hoje é frequente dizer-se. O slogan, e creio que isto é quase má língua, é que com o aparecimento da funerária Cunha houve frases “tranquilizantes” e “edificantes” do tipo: “Agora já se pode morrer em Luanda” ou “ O Cunha trata de si na horizontal”, ou ainda “Vivo ou morto, Cunha ao seu serviço!”. Sem querer entrar muito em detalhes acho que é mais um paradoxo do sistema colonial, que é o “Cunha ter tanta importância na vida como na morte” e a mais sarcástica de todas “Cunha sempre consigo”.


O Hotel Angola, vivia paredes meias com a Pensão Sirius, e tinha umas varandas aprazíveis no rés do chão, um bar onde havia fados e uns dedilhadores de violas e guitarras, que tinham o condão de incomodar os hóspedes do hotel até às tantas da noite, quando toda a gente sabe que em Luanda o cedo erguer é quase desde tempos imorredoiros uma instituição, e a verdade é que praticava preços altíssimos, pouco compatíveis com a qualidade dos serviços prestados, já que os a prestar julgo que eram dispensáveis por todos!!!


Como os “hóspedes” da funerária reclamavam menos que os do “Hotel Angola”, e davam mais rendimento, o Cunha resolveu alienar o edifício para as instalações da Polícia Judiciária, que depois se transformou em DINIC, que ao passar para o edifício recentemente “colapsado”, deixou no seu lugar à Procuradoria Militar, actual proprietária do edifício, por sinal interessante do ponto de vista arquitectónico.

Fernando Pereira


Pensar e Falar Angola

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