sexta-feira, 30 de maio de 2008

Hoje apetece-me falar de poesia

Como tudo na vida, também a literatura evolui em ciclos.
Quando uma nova tendência surge é habitual ela passar por fases, sendo que a primeira e a última fases sejam apelidadas de transição. Todas fases tendem a receber nomes identificadores.
Assim, temos que as novas tendências surgem como reacções a outras, excepcionalmente quando levam ao exagero algumas das suas características.
É paradoxal pensar que todos os autores queiram fazer o mesmo. Se assim fosse só fariam o melhor e o pior. Na verdade tentam fazer coisas diferentes, diversas.
No Renascimento o Homem era o fundamento cultural, predominava o culto de autores gregos e romanos.
No Maneirismo buscava-se fundamento na debilidade do ideal da dignidade humana, perde-se o sentido da harmonia entre o homem e a natureza e carece de razão uma visão serena da existência humana.
No Barroco o fundamento assenta no triunfo espiritual e religioso, exprimindo-se na grandiosidade, riqueza luxuriante e na proliferação prodigiosa das formas sensíveis, fascínio singular pelo jogo e pelo espectáculo da metamorfose e pelo mistério das máscaras e dos disfarces.
No Simbolismo o fundamento é a rejeição positivista, aprofundando certos aspectos da tradição romântica, princípio da analogia natural/sobrenatural só conseguida através do símbolo.
Na literatura angolana, nas décadas de quarenta/cinquenta, suportados com o movimento “Vamos Descobrir Angola”, com influências da negritude, poetas como Viriato da Cruz, António Jacinto e Agostinho Neto, só para citar estes, produzem uma literatura (poesia) que reflectia os anseios de liberdade, valorizando o homem oprimido e pondo-lhe em contacto com a cultura autóctone ameaçada, ao mesmo tempo que se produz também a literatura colonial, em que se cantavam (poesia) as belezas exóticas de Angola. Na década de 60, com início das guerras de libertação e de independência produz-se a literatura de guerrilha, e aqui encontramos Costa Andrade, Jorge Macedo, Arnaldo Santos, para não nos alongarmos. Na de 70 poetas como Ruy Duarte de Carvalho, Arlindo Barbeitos, David Mestre começam a emprestar ao discurso poético outras vestimentas, antípodas das décadas anteriores. Confrontado com os ventos de mudança, isto é, o alcance da independência, onde Angola abraça a orientação política do comunismo, a produção literária da Brigada Jovem de Literatura, surgida em Angola na década de oitenta, fixa-se nos ideais de produzir uma literatura engajada, que é a de construir o homem angolano (o homem ideal em moldes utópicos) e ajustá-lo a nova realidade, num discurso poético previsível. Na década de 90, José Luís Mendonça, João Maimona e Ana Paula Tavares, só para citar estes, produzem um discurso poético com contaminações estéticas experimentadas pelos poetas citados na geração de 70 e que se estendem até aos nossos dias.
Paradoxalmente, hoje assistimos a desejos de se chegar ao momento em que “a poesia” só existe para que se fale dela e da sua proveniência – fulano tal, investido poeta e condecorado
Não é a cultura que precisa da poesia, para se enriquecer, é a poesia que precisa de uma cultura que a permita, isto é, que aceite que haja em cada homem a potencialidade de se relacionar com os outros pela afirmação da sua dissemelhança, a sua maneira única de participar no mundo.


Pensar e Falar Angola

Sem comentários: