sexta-feira, 2 de maio de 2008

Enfim... uma achega de Pacheco Pereira

Uma carta que circula há muitos anos, supostamente escrita por Rosa Coutinho a Agostinho Neto, apareceu num livro recente sobre as enormes violências em Angola e foi citada por António Barreto a partir do livro como sendo verídica. António Barreto já corrigiu essa atribuição face às dúvidas suscitadas entre outros por Ferreira Fernandes, admitindo o seu engano. Desse ponto de vista a questão está encerrada.

No entanto, a carta merece mais alguma atenção na medida em que é um fabricação, aliás grosseira, que pode ter sido feita ou por um habilidoso envolvido nos eventos ou por um serviço qualquer de desinformação. O seu objectivo é fazer uma campanha negra, contra Rosa Coutinho, que não precisava da carta para ter tido um papel sinistro nos eventos da descolonização de Angola.

Já li, por razões profissionais do meu trabalho histórico, literalmente milhares de documentos oriundos do universo comunista, não só os escritos com "língua de pau", mas também os mais escondidos de todos, cartas com instruções secretas, relatórios do NKVD e do KGB, actas de encontros, comunicações de espionagem, papéis de polícia, denúncias, relatos de tortura, manuais de guerra revolucionária, e nunca encontrei um único documento genuíno que corresponda no teor, conteúdo e linguagem à carta atribuída a Rosa Coutinho. Pelo contrário, encontrei múltiplas fabricações exactamente iguais.

Nenhum comunista secreto ou público escreveria isto: "após a última reunião secreta que tivemos com os camaradas do PCP..." Se é secreta não se nomeia nem se diz com quem foi. E muito menos se poriam num papel perguntas retóricas como esta: "Não dizia Fanon que o complexo de inferioridade só se vence matando o colonizador? camarada Agostinho Neto, dá, por isso, instruções secretas aos militantes do MPLA para aterrorizarem por todos os meios os brancos, matando, pilhando, incendiando a fim de provocar a debandada de Angola". Mais ainda este absurdo: "Sede cruéis sobretudo com as crianças, as mulheres e os velhos para desanimar os corajosos" Tudo resto é assim, tão de encomenda, tão destinado a suscitar a repulsa, caso viesse a público, como absurdo.

Há documentos genuínos com este tom, mas em movimentos doutro tipo, milenários, religiosos, étnicos, mas não existe nada de parecido no movimento comunista. Eu não estou a dizer que os comunistas não possam cometer as maiores atrocidades, cometeram-nas na URSS, na China, no Cambodja, em África, mas não as colocam no papel assim.

Espero que mais ninguém se engane com esta falsificação.


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© José Pacheco Pereira
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Dr. Agostinho Neto