"Quando me aposentei e decidi ir para Angola e Moçambique como voluntária, quis saber, na carne, o que um Professor pode fazer praticamente a partir do nada. Estive a dar aulas, isto é, estive a trabalhar com 29 garotos em Viana, um município perto de Luanda, distante uns 30km de Luanda. Em 2006. Ia para lá à segunda-feira, saía de casa de uma Amiga onde passava o fim-de-semana, às seis da manhã e demorava cerca de três horas a chegar. Depois ficava com os meus meninos até sexta-feira à noite. Dava-lhes primeiro o leite e pão da manhã. Comecei por lhes ensinar que não se denuncia ninguém, que cada um tem a sua vez, que se diz “obrigado”, “desculpa” e outras miudezas assim. Que não se tira o leite e o pão de ninguém. Que não se pede outro pão e outra caneca de leite enquanto todos não tiverem tido a sua parte.
Trabalhávamos debaixo de uma cobertura de camioneta, cheia de buracos, que por sua vez estava por baixo de um frondoso embondeiro.
O quadro era uma prancha que pedi nas obras e o giz era umas pedras calcárias que por lá havia. Sem livros, só com papéis e lápis. E pedrinhas. Cada menino tinha que levar 20 pedrinhas. E assim aprendemos a somar, a subtrair, a multiplicar, a dividir. Com pedrinhas que eram peixes, ou mangas, ou carros, ou pessoas, eram o que nós queríamos que fossem. Que maravilha quando, apenas observando as pedrinhas em cima da mesa de plástico branco todo encardido, o Manuel Serrote disse: “Tia Carmo, multiplicar é uma maneira de somar!” Ah, e tinham um fascínio enorme pelo meu apara-lápis. Era o único. Estavam sempre a pedi-lo para terem o gosto de usar aquele luxo."
"Vou mostrar algumas fotos dos meus meninos de Viana, que eram protegidos, neste campo (escola, pequeno-almoço e lanche) por uma associação espírita. E eu sou católica praticante. E depois? Eles fazem o Bem e isso é a melhor referência para colaborar com eles.Desculpem que vos diga, mas também estes meninos me passaram um Diploma de Professora: quando me preparava para me despedir deles, depois de, em conjunto, termos comido uma lauta feijoada de feijão preto, quase em coro, disseram: “Tia Carmo, não vás embora! Vais embora porquê?” Não consegui responder-lhes. Por isso tive de voltar. "
- Quero ser professor, para bater!
- Quero ser polícia, para bater!
- Quero ser segurança, para ter uma arma!
- Quero ser engenheiro, para não fazer nada e ter um carro grande!
Apenas o Manuel Serrote disse que queria ser jardineiro, “para enfeitar as casas”. (E há-de ser jardineiro, que já estamos a tratar disso).
Por isso, em vez de começar a ensinar a ler, a escrever, a fazer contas, eu preferi “perder tempo” a ensiná-los a serem meninos, antes de mais."
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