ANOS INQUIETOS “Salazar tem um cancro, coitado do cancro” ou “Cancro, cumpre a tua função” eram das frases que iam correndo nas latadas da Coimbra de 1969.
Sei que alguns que vão ler este artigo, participaram de forma empenhada no movimento de contestação que irrompeu no ano de 1969, um pouco como reflexo do movimento estudantil de Maio de 1968 em Paris.
Para escrever sobre esses tempos e fundamentalmente falar de angolanos em actividades nas crises académicas de 62 e 69 em Portugal, tive de reunir um conjunto de livros, com documentos e depoimentos, que me permitissem aqui escrever qualquer coisinha.
Sem querer ser muito exaustivo a justificar a bibliografia consultada, começo pelo livro “Anos Inquietos” de Manuela Cruzeiro e Rui Bebiano;”Anos Decisivos” do malogrado César Oliveira;”Grandes Planos” de Gabriela Lourenço, Jorge Costa e Paulo Pena;”Maio de 1968, trinta anos depois” de Maria Cândida Proença e Celso Cruzeiro em “Coimbra 1969”.
Porque foi o mais próximo, o já distante 17 de Abril de 1969, foi a ultima grande iniciativa estudantil de vulto contra o estado colonial-fascista.
Não vou falar das muitas razões dos movimentos estudantis, mas importa referir que serviram para solidificar grandes cumplicidades, e acima de tudo criar um forte sentimento de vontade de mudar o status quo prevalecente, que no caso dos angolanos engajados, era a luta pela emancipação e independência da sua terra.
Não vou recuar aos anos de 1962 onde os angolanos José Bernardino. João Nobre, Humberto Traça e Rui Pereira, entre outros, foram presos pela PIDE e seviciados, tendo como única acusação a “participação em associações de terroristas”, quando de facto foram detidos pelo simples crime de “delito de consciência”.
Sobre Coimbra/1969, apoio-me em depoimentos de pessoas conhecidas e também num livro recente de Teresa Carreiro: “Viver numa Republica de Estudantes em Coimbra 1960-70”, que de certa forma dá uma imagem do que foram esses “Anos inquietos”.
Entre vários nomes, que vamos aqui e ali encontrando em referencias múltiplas, com participação contextualizada no combate pela democraticidade do ensino, pelo fim da guerra colonial e consequente independência das colónias, encontramos nomes que hoje são pessoas do nosso quotidiano, outros que fazem parte da nossa memória, porque fisicamente já desapareceram, e outros que optaram por outras paragens, o que não quer dizer que tivessem optado por outras “aragens”.
Nesses anos Roberto Leal Ramos Monteiro (Ngongo), Saraiva de Carvalho (Tetembwa), Luis Filipe Pizarro (Nene), Orlando Rodrigues, To-Ze Miranda, Garcia Neto, Fernando Sabrosa, Fernando Martinho, Décio de Sousa, Carlos Batista, Luis Colaço, Gil Ferreira, Helder Neto, Eurico Gonçalves, Balonas, Manuel Rui Monteiro e tantos outros, foram determinantes num movimento que gerou sinergias importantes para um auspicioso futuro, que se revelou ao fim de pouco mais de um lustro.
Gostava de poder falar do “Kimbo dos Sobas”, dos “Mil-e-onários” e dos “Solares” que angolanos fundaram e onde viveram em Coimbra, com histórias que não devem ficar no cantamento de uns poucos para encantamento de uns quantos mais.
Há tempos que foram memória e tem de ser contados pelas pessoas que as viveram, enquanto a outra memória não desaparece.PS: O meu texto, neste numero, seria sobre o livro de Cláudia Castelo, “Passagem para África”, um excelente livro diga-se de passagem. Acontece que tive o prazer de ler o comentário do António Melo, na magnífica “África 21” de Fevereiro, e só fiz o mais fácil, mas também o mais coerente: Assinei por baixo e naturalmente recomendo o comentário, e obviamente o livro.
Pensar e Falar Angola
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