quinta-feira, 24 de abril de 2008

Circuncisão na cultura Umbundu

Angola é um país formado por vários grupos etnolinguísticos, nomeadamente os Ovimbundu, Ambundu, Herero, Cokwe, Ovangangela, entre outros, onde cada um possui a sua cultura, tradição, mitos, organização social e política e, fundamentalmente, a sua língua de comunicação.
Entre a diversidade cultural existente, vamos nos debruçar sobre a circuncisão nos Ovimbundu (povos que habitam maioritariamente às províncias do Huambo, Bié,Benguela, Kwanza-Sul) cuja língua de comunicação é o Umbundu.
Devido aos conflitos armados, alguns destes povos – um mal que não poupou todos os subgrupos etnolinguísticos que povoam Angola – só agora estão a retornar e a recompor as suas zonas de origem, isto é, as aldeias ou sanzalas.
O trajecto forçado de alguns destes povos em consequência da procura de sossego e segurança assim como de melhores condições de subsistência, trouxe a vários pontos da província da Huíla, povos dos grupos etnolinguísticos acima referenciados. Um facto tido também como responsável por vários cruzamentos entre os vários povos do país, acto, que no entender de peritos, não foi mau para a sociedade.
Neste contexto, dentre os vários anciãos com quem o autor destas linhas conversou sobre a circuncisão, a referência vai para Francisco Wospindi, Alfredo Tjiamba Cola e Jaime Chiloya. Os encontrámos na loca-lidade do Cusse e na vila do município de Caconda, localizados a 240 e 235 quilómetros, respectivamente, a norte da cidade do Lubango.
Eles são naturais da província do Huambo e, por razões do conflito armado passado, confinaram-se há 10 anos, numa povoação do Cusse. Francisco Wospindi, 95 anos, e Alfredo Tjiamba, 80 anos, já se familiarizaram com a área, onde vivem com os filhos, noras, genros, netos e bisnetos.
Os dois anciãos com aparências de bons contadores de histórias, apesar de algo os escapar da memória, talvez pela idade ou por não praticarem na sua plenitude todos os actos, esmiuçaram dados relevantes e tipicamente tradicional da cultura dos povos Umbundu.
Wospindi explica que a palavra circuncisão na sua língua tradicional, denomina-se por “Evamba ou Ekwendje” dependendo das áreas e, é uma prática sagrada e obrigatória. Trata-se de um rito que serve de transição da infância para a adolescência.
Normalmente realiza-se o acto na época do Cacimbo, precisamente nos meses de Junho, Julho e Agosto de cada ano, por ser uma época friorenta por facilitar a cura das feridas que surgem após o corte.
Um contacto prévio é feito com os pais ou tutores das crianças. Posteriormente, cada família selecciona os rapazes em condições de partir e, depois todos juntos numa semi-caravana rumam à mata, num local já preparado que fica a dez ou mais quilómetros da zona habitada.
Por regra, o local escolhido possui um riacho próximo. O recinto que vai albergar os garotos designa-se por “Otjilombo”. Cada criança faz-se acompanhar do seu farnel que entregará ao seu tutor “Onawa” com habilidades para solucionar todas as questões durante o período de circuncisão que por norma dura 90 dias.
No dia “D”, os pacientes são levados um a um para um lugar específico onde lhes será subtraído a ponta do prepúcio “Utue” a sangue frio. Os mestres “Otjilue” orientam aos “Onawa” para tocar batuques, apitos e canções com o propósito de impedir que os gritos sejam captados pelos outros que aguardam pela sua vez.
Tjiamba argumenta que no local da “Evamba” ficam em média acampados 25 a 30 crianças. E a chamada para o corte segue as idades. Primeiro, os de menor idade, por considerarem de mais fácil e, seguem os mais complicados, os adultos. Complicados porque as feridas demoram a curar. É nos períodos nocturnos que as coisas se tornam difíceis: “Kakuli okupekela” (Não há dormir).
As trevas são enganadas com as canções tradicionais, os batuques e as danças dos palhaços à volta duma grande fogueira. Os “Tjindanda”, pessoas recém-circuncisadas, deitados em várias esteiras postas ao relento, permanecem com o tronco nu até a cura das feridas. Eles levantam-se de madrugada e mergulham no rio onde ficam das 4 às 6 horas.
Os garotos que registarem melhoras rá-pidas são ensinados de imediato a pequena caça para exercitar o corpo e trazer alguns bichos como ratos, toupeiras, perdizes e outros alimentos. Após os 13 dias segue-se os ensinamentos doutrinários caracterizados por dança, manejo do batuque e seu fabrico, tecelagem de sisal para compor um palhaço, seus respectivos nomes e objectivos de cada um.
Neste período, aprende-se algumas magias como “Alumbo”, uma arte de enfeitiçar ou matar mesmo alguém. Ainda aprende-se o código de identificação pessoal para descobrir quem é circuncidado “Otjilombola” e quem ainda não o fez “Otjilima”. Os palhaços de maior categoria que desfilam no termo da circuncisão ou nos festejos do mesmo nome são “Bumba, Kasinhôla, Katjilala, Ngulu Kutinã”. Todos esses palhaços subordinavam-se ao grande “Bwangungu”.
No dia da saída da “Evamba”, estes perfilam-se com um chicote de folhas de bananeira ou de pele de gado na mão e vão dando chicotadas aos “Tjindanda” que passam entre as pernas dos mesmos. Depois deste acto, começa a marcha de volta à sanzala e os “Kesongo” (cicerones) levam o grupo para as suas respectivas casas seguindo-se de um coro que enlouquece os palhaços. Neste caso, os pais preparam bebidas tradicionais como “Walende” aguardente, “Tjimbombo” cerveja tradicional, “Idromelo” e outras. Quando todos os “Tjindanda” forem distribuídos às suas casas no mesmo instante prepara-se a grande festa de encerramento que, como é de costume, sucede num campo onde todos os familiares juntam os alimentos (canjica), carne assada, pirão, gindungo, assim como bebidas acima referenciadas. Esta festa vai até às 4 da madrugada onde os palhaços ao aproximar-se desta hora se retiram um a um, sem dar nas vistas.
As mortes na “Evamba”
No “Otjilombo”, nos dias que antecedem o regresso à sanzala, antigamente, era sacrificada a vida do jovem que apresentasse um comportamento indecoroso aos mais velhos ou que se mostrasse durante as actividades de muito lento. Quando chegassem à aldeia os pais da vítima eram cobertos com uma esteira significando que o seu filho tinha morrido.
Os pais que ousassem reclamar pelo filho, teriam futuramente problemas graves. O “Otjilue” encarregava-se de praguejar a família. E, caso não pedissem desculpas a tempo acabariam também por morrer. Os casos de morte foram abolidos com a intervenção da Igreja Católica. Este processo levou muito tempo para ser banido, visto que, só nos anos 76 é que esta pratica desapareceu.
Velho Jaime revelou por exemplo a morte de Tjambala Kasinda que foi sa­cri­ficado por manifestar atitudes que irritaram os “Seculos” (autoridades tradicionais) no acto da “Evamba”. “Os outros Tjindanda foram orientados a colocar “Viemba” (medicamentos) na cadeira do jovem e quando ele sentou, contraiu o mal posto no assento. Durante muito tempo ele só urinava sangue até morrer”.
Por: Estanislau Costa
Fonte: www.huambodigital.com

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