sábado, 15 de janeiro de 2011

apontamentos de F.Quelhas (9)

Sem querer, fui, durante 3 dias, um emigrante ilegal em Angola.
Aconteceu que na data de minha partida para o Rio, em 11 de novembro, a TAAG simplesmente cancelou o vôo e  transferiu os passageiros para o dia 14, sem que existisse qualquer alternativa ( ela tem o monopólio de vôo Brasil/Angola e consta que o defendem com unhas e dentes ) pois os voos via Lisboa e via Johannesburg estavam lotados.
As peripécias que isto gerou, seja em termos de multas, recusa de vistos, etc. da uma estória extra que vou evitar narrar, seja porque não ‘e muito abonadora, seja porque detesto falar de eventos negativos, principalmente quando resultam do exercício do autoritarismo de funcionários públicos que compensam suas frustrações pessoais através da prepotência. Estou convencido que em nenhum local a tal da síndrome das pequenas autoridades ‘e mais exercida do que nos aeroportos, principalmente pelas tais “ autoridades”  de fronteira. Freud explica.

A pedido de alguns amigos volto a escrever sobre Angola, tentando, de forma leve, mostrar um quadro sobre minhas impressões pessoais.
Ate porque a minha atividade na área da cartografia integra uma disciplina mais ampla que se refere a geografia que pressupõe o conhecimento de território e das pessoas que nele habitam, ate por vicio profissional, sempre procuro obter informacoes estatisticas sobre os mais diversos locaispor onde passo.
Realmente, espanta-me a falta de informação geográfica aqui em Angola, nem tanto em termos de mapas, mas sim sobre a população. Simplesmente não existem estatísticas confiáveis de nada. Obviamente, isto não ‘e exclusividade de Angola. Ate nos países ditos desenvolvidos podemos colocar serias restrições `as estatísticas ( acho que foi Bismarck quem disse: Não queiram saber como são feitas as leis, as salsichas e as estatísticas ). Entretanto aqui, a deficiência de dados sobre a população são realmente profundas.
Esta deficiência pode ser observada ao tentarmos saber informações básicas, do tipo, afinal quantos habitantes tem Angola? Ou Luanda?
Se fizerem uma pequena pesquisa na Net < população de Angola > logo na primeira pagina irão se deparar com informações que falam em 11,5 milhoes e outros 16 milhoes, sendo que não ‘e raro ouvir falar aqui em 20 milhoes.
Cabe, desde logo, uma pergunta: Como raios ‘e possível elaborar qualquer tipo de planejamento econômico se não conhecem com um mínimo de exatidão o territorio e a população? Como ‘e possível permanecer muito mais tempo, realizando obras, sem se fazer o básico, qual seja: Um censo demográfico que diga  quantos são, onde ficam e como são.
Um ex-professor meu aqui da Universidade de Economia de Luanda, o Rocha,  recentemente concedeu uma entrevista a um jornal criticando abertamente e com bastante ênfase e contundência a falta de dados estatísticos, colocando que todas as informações de natureza econômica, principalmente quanto ao PIB, níveis de desemprego, inflação, etc. simplesmente são dados obtidos sem o menor rigor cientifico. Seriam, o que chamamos no Brasil de “ chutometria”.
Contaram-me ate uma estória que estou interpretando como piada, mas que talvez nem seja. Refere-se a estatística sobre a população de Luanda. Acreditem: Há informações que falam em 2 milhões em paralelo a outras que falam em 8 milhões. Contam então que a estatística sobre o quantitativo de habitantes de Luanda( acho que de 4 milhoes )  tera sido feita pela Coca-cola com base em parâmetros sobre níveis de consumo da bebida em comunidades similares. Assim, se aqui em Luanda são consumidos tantos milhões de hectolitros de coca-cola a conclusão ‘e que existam aqui tantas pessoas e estamos conversados. Trata-se do mais interessante exemplo que já vi de “ O rabo abanando o cachorro”
Há uns tempos, conversando com um amigo sobre comercio externo de Angola e ate um pouco impressionado sobre o fato de nesta área ate existirem estatísticas de importações  mais ou menos detalhadas ( pais de origem, tipo de produto, etc ) foi-me dada uma resposta que achei muito curiosa e que traduz ate uma certa genialidade.
Segundo ele ( não sei se realmente corresponde `a realidade ), tais informações estatísticas sobre suas importações sao obtidas de forma indireta. Basta tomar em consideracao que a cada importacao de Angola corresponde a uma exportacao de oputro pais. Pronto, esta resolvida a charada.
Simplesmente, basta ler os relatórios sobre exportações dos outros países. Ou seja. Querem saber quanto Angola importa do Brasil ou de Portugal, por exemplo? Ora. Basta saber o que  consta nos relatórios  estatísticos brasileiros e portugueses sobre exportação para Angola. Não ‘e genial?
Fez-me lembrar a estória do cara que sobre xadrez  sabia apenas movimentar as peças e apostou que jogaria contra dois grande-mestres simultaneamente, conseguindo pelo menos 1 ponto ( no xadrez a vitoria vale 1 ponto e o empate 0,5 ) e ganhou.

Agora no capitulo de amenidades:
Quando voltei do Brasil, ao revisar o relatório de prestação de contas de um  funcionário com quem deixei uma verba para despesas, vi que por diversas vezes ele havia gasto dinheiro comprando saldos (?) .
Sabem a origem deste termo? E o que significa?
Aqui em Angola, praticamente não existem telefones fixos. Tão pouco existem celulares em que a conta seja paga após o gasto. Há apenas o pré-pago usando cartões e acreditem: Todo o mundo tem um, ou mais. Estes cartões são vendidos por ambulantes em todo o lugar, sendo que há que se ter cuidado ao comprá-los no transito, pois inúmeras vezes são falsos.
Mas voltando ao tal do saldo:  Há medida que as pessoas vão usando, os créditos vão se esgotando  e, claro, o  saldo se reduzindo e acabando. Assim, quando os créditos se esgotam acaba o saldo e dizem: Estou sem saldo. Logo, nada mais lógico que quando se esteja sem saldo, se compre novo saldo. Eis então que o tal cartão passou a ser chamado  saldo.
Já agora: Aqui em Angola não existem celulares ( termo brasileiro ) nem telemoveis ( termo português ). Aqui usam terminais.
Então, ‘e comum as pessoas dizerem ao perguntar o numero de telefone:
“ Quer dar-me o seu terminal ? “
 Ops. . .
Tenham um excelente final de semana
Fernando Quelhas



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