Nenhuma cidade que se preze de ter uma actividade cultural regular, prescinde de ter o seu coliseu.
Local de todas as actividades circenses, que em períodos remotos eram local de combate entre gladiadores, corridas de quadrigas, lutas entre humanos e animais esfaimados, e toda a sorte de espectáculos, que pusessem em delírio um publico masculino ávido de sensações fortes, a raiar o animalesco.
Roma, Mérida, Cartago, Nimes, são alguns dos maiores coliseus do Império Romano, ainda preservados, mas Londres, Nova York, Paris, Madrid, Porto, Nova Orleãs, Los Angeles, Otawa, St Petersburg, e tantas cidades no mundo tem os seus coliseus, como uma sala para espectáculos, eventos culturais ou sociais de alguma notoriedade.
Angola recebia com regularidade, algumas companhias de circo, que aproveitavam o Inverno em Portugal, para fazerem a sua campanha africana, recebendo inclusivamente subsídios avultados, do Ministério do Ultramar e da Defesa, para um conjunto de espectáculos para as Forças Armadas portuguesas.
O circo Mariano, ficava num terreno desocupado, no cruzamento da Av. Comandante Valódia, com a Alameda Manuel Van-Dunem. A expressão do “ Circo desceu à cidade” aplicava-se apropriadamente a este, propriedade de Henry Tony (nome artístico), pois à volta da tenda grande lá estavam umas jaulas, com animais sedados, e umas roulottes, onde os trapezistas, domadores, palhaços, ilusionistas, todo o conjunto de gente que nos fazia sonhar naquelas duas horas, em que embevecidos, assistíamos a algo que julgávamos impossível acontecer.
Na outra esquina da Alameda, com a Hoji-Ya-Henda, instalava-se o Circo Universal, inicialmente com uma tenda, e com todos os adereços normais de um circo, e que já no fim dos anos sessenta, foi substituída por uma estrutura fixa, com tubos e bancada de madeira, forrada exteriormente com grandes painéis de chapa, pintadas com as garridas cores de um circo. A cobertura era em lona, imediatamente renomeada essa estrutura como o “Coliseu de Luanda”.
Nem mais nem menos, Luanda passava a rivalizar com todas as cidades coliseuzadas do mundo!
O Circo Universal lá aparecia em Janeiro, ou Fevereiro, alternando com a concorrência do “Mariano”, e num ou noutro adorei ver o que eles mostravam, desde a mulher borracha, que era simultaneamente a trapezista e a partenaire do ilusionista, o sensacional palhaço Kinito, o professor Karma que respondia a tudo de olhos vendados, ao Gabriel de Moçambique que tinha 2, 60 m que vinha com o Silvio do Lobito, uma versão angolana do Nelson Ned,
minorca com noventa e cinco centímetros.
Com a idade deixei de ser um “fiel” do circo, embora ainda hoje goste de ir ver o espectáculo, e sentir que estou a ajudar profissionais de grande dignidade, perseverança e de uma seriedade inabitual, no consumismo da cultura na sociedade contemporânea.
Voltando ao Coliseu de Luanda, vem-me à lembrança a “Luta livre à Americana”, que depois de ter andado pelo Campo da Ilha, ao lado do Náutico de Luanda, pelos Coqueiros, acabou por se fixar definitivamente no Coliseu.
Nunca fui grande adepto de pancadaria, nada tem a ver com o meu agnosticismo, mas lá alinhava com uns amigos meus, ia ver alguns duelos dos grandes combates decisivos para a atribuição do “campeonato do mundo de luta livre americana” .
Organizados pelo Lobo da Costa, concessionário de um restaurante de comida a raiar o intragável, “O Ganso”, ali para os lados do Bairro Azul, antigo praticante de luta no Parque Mayer em Lisboa que com Leandro Ferreira, publicitava que “Cinturão cidade de Luanda” era uma das provas do calendário internacional.
Todos os intervenientes tinham nomes pomposos, currículos inatingíveis pelo comum dos mortais, mesmo os mais talentosos, em suma, a nata da “luta livre americana internacional”, normalmente alojada em pensões de qualidade duvidosa na baixa da urbe.
O Kit Moralino, que já era entradote, o “invencível” Tarzan Taborda, campeão mundo 5 vezes, o Carlos Rocha, as “têmporas de ouro” 4 vezes campeão do mundo, o Zé Luis, “Cabeça de concreto”, 3 vezes campeão do mundo, o Yull Brinner, careca como o actor, “punho de platina”, El Indio, “O Escalpelizador” 2 vezes campeão do mundo, Tony Morgan, e muitos que eram uma plêiade de enormes lutadores, alguns recrutados na noite anterior no Porto de Luanda, para a troco de uns cobres, uma refeição requentada e talvez uma cama aquecida, levarem uma tunda, nada que mercuro-cromo , eosina ou tintura de iodo não curassem.
Eram as grandes noites de um coliseu, que Novembro de 1975 viu enferrujar, até ser substituído por um prédio a parecer quase bem.
Fernando Pereira
22/10/2010
Pensar e Falar Angola
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