segunda-feira, 15 de outubro de 2007

O ROSTO PACÍFICO DE ANGOLA


“O Rosto Pacífico de Angola: Biografia de um Processo de Paz (1991 – 2002)”

Por Dr. Michael G. Comerford

Se mais nada tivéssemos à mão, o facto simples de estarmos com um amigo dos angolanos, vindo das terras chuvosas e frias da Irlanda, exprimindo a sua vontade se colocar também na linha da vanguarda na luta por uma Angola pacífica, já mereceria o nosso apreço e a nossa grande admiração. Mas não: ele não só está connosco, reafirmando a sua determinação em levar por diante esta batalha, ao nosso lado, mas também oferecendo aos angolanos instrumentos adequados vias seguras, para um trabalho em profundidade, no sentido de consolidar a paz de que Angola vem já usufruindo, há bem uns três anos. Tais meios que o autor coloca à nossa mesa de trabalho e que constituem a matéria do seu precioso livro que muitos já temos em mão, são fruto da sua profunda, séria e inteligente reflexão e pesquisa detalhada. Congratulamo-nos, com ele, por esta ingente obra de investigação científica.

O Rosto Pacífico de Angola não analisa senão as derradeiras fases da nossa lúgubre história, isto é, a fase pré-eleitoral e eleitoral (1991-1992), a fase pós-eleitoral (1992-1994), a dos acordos de Lusaka (1994-1998) e a das últimas ferozes batalhas que culminaram com a morte trágica do Dr. Jonas Malheiro Savimbi, em Fevereiro de 2002. Ao longo dos sete capítulos que compõem o livro, o leitor, sem grandes esforços e de forma pacífica consegue penetrar e perceber mais profundamente o oceano desconhecido de uma realidade histórica próxima passada, aparentemente por todos conhecida, porque por todos vivida.

De facto, o que o Dr. Comerford nos põe diante dos olhos é a crua realidade do conflito bélico que qualquer angolano da nossa geração conhece. Mas a sua génese, trama e empresa de intervenientes directos e indirectos escapa, muitas vezes, a quem apenas nela se sente envolvido apaixonadamente, porém, sem tempo para uma análise crítica dos acontecimentos em si e dos esforços ingentes que personalidades individuais e colectivas envidaram para pôr cobro a uma situação que se tornava cada vez mais insustentável.


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De acordo, pois, com o próprio autor, o “livro tem como objectivo analisar perspectivas angolanas sobre questões da paz e conflito, a partir dos Acordos de Bicesse, em Maio de 1991, até à morte de Jonas Savimbi”. Nessa análise o autor apresenta-nos cinco ‘perspectivas de paz’ nacionais: a das Igrejas históricas, a dos mass-media privados, a das organizações da sociedade civil, a das comunidades de base e a das autoridades tradicionais. A novidade desta perspectiva é única e sem precedentes, pois, tanto quanto facilmente nos ocorre, qualquer um de nós que viveu esses anos de arrasante e sangrenta guerra, ficou com a sensação de que todas as soluções e propostas nos vinham do exterior e sem uma resolução-receita da chamada “Comunidade Internacional” não teríamos nenhuma possibilidade de chegar a um acordo de solução. Afinal, não foi bem assim, e o autor demonstra-nos, com provas irrefutáveis, os esforços contínuos e persistentes, levados a cabo pelas forças internas de Angola que foram indicando, de uma forma ou doutra, algumas vias de saída do conflito então vigente no país.

Por isso, o autor lamenta, a este propósito, o facto de, na abordagem de soluções para a paz em Angola, organizações e personalidades que estiveram profundamente empenhadas em desmotivar as acções bélicas acima mencionadas, terem sido pura e simplesmente excluídas da mesa de negociações em Bicesse, Lusaka e também no Lwena. Segundo ele, uma tal exclusão teria sido prejudicial para a busca da paz na qual actores angolanos que podiam ter exercido uma influência moderadora tanto para o Governo angolano como para a UNITA, foram incapacitados de o fazer.

O próprio conflito em si, bem como a sua solução, estiveram estruturados numa arena polarizada onde só se ouviam as vozes do Governo angolano e da UNITA.

Assim, para além da Troika que promoveu os acordos de paz de Bicesse, em nenhuma fase as organizações internacionais promoveram a inclusão das Igrejas angolanas ou partidos políticos da oposição, mesmo apenas como observadores, a fim de influenciar a direcção das negociações de paz. Se é que, talvez, essas forças, sobretudo as Igrejas, teriam sido consultadas, contudo, nenhum mecanismo foi estabelecido para garantir a inclusão das mesmas. Para o autor, o efeito dessa atitude foi clara: “tal exclusão foi um factor que explica o porquê do fracasso dos acordos de paz”.

Ora, sabe-se, agora que a atenção e a importância que mereciam e que deviam ser acordadas a essas forças, teriam sido determinantes na solução do conflito. Viu-se, por exemplo, que a criação de uma terceira força para o trabalho pela paz, como a COIEPA, ajudou a quebrar a polarização em que a paz tinha sido discutida em Angola, onde as pessoas eram identificadas, quer estando a favor do MPLA, quer estando a favor da UNITA. Este novo centro procurou transcender a política e expressar a necessidade da paz em nome de milhões de angolanos deslocados cujas vidas se reduziram à pobreza miserável.

Finalmente, uma das investigações importantes do autor foi a relevância dada à intervenção da realidade tradicional, nas abordagens da paz em Angola. Para ele, esta pesquisa ocupa um lugar crucial no livro. O autor sugere que os métodos tradicionais de cura, por exemplo, onde ainda se praticam, poderiam ajudar a abordar as necessidades dos soldados desmobilizados e facilitar a sua reintegração na sociedade. Da mesma forma, pensa que as contribuições e perspectivas da consultoria tradicional deviam ser apreciadas, na procura da paz, porque os motivos e as causas principais de conflito, às vezes, só podem ser compreendidos dentro do quadro tradicional.

O autor usa o método do chamado “espaço público”, para a sua investigação e para se assegurar de não estar a fazer afirmações fora do contexto ou ignorando as verdadeiras fontes. Este espaço público, apoia-se nos discursos de dirigentes, na apreciação e crítica dos mass-media públicos e privados e nos lugares de encontros tradicionais, os olondjango, onde, nas aldeias, é costume juntar-se, para se falar acerca das preocupações comunitárias e promover a harmonia e a paz.

Todo este aliciante e abundante material, colocado generosamente à disposição do leitor, vem pesquisado e estudado com mestria e com uma profundidade inaudita, pelo autor de O Rosto Pacífico de Angola, revelando uma capacidade extraordinária de diálogo e análise com as suas fontes, quer orais, quer escritas. É consolador e muito agradável passear pausadamente pelas páginas deste valioso documento, doseadas aqui e ali, com um simpático pingo humor, contido nas suas bandas desenhadas.

Diante de situações sócio-políticas, que mesmo depois do fim da guerra em Angola nos leva a um não pouco fundamentado afro-pessimismo, o livro de Comerford vem a tempo, levantar os nossos ânimos, pois, ele é uma afirmação bem fundamentada da capacidade da mulher e do homem angolanos, em construir o próprio país, primando pela unidade nacional, através de uma convivência pacífica e harmoniosa dos seus povos, no respeito da própria diversidade.

Dr Jerónimo Cahinga

Professor da UCAN







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