domingo, 7 de outubro de 2007

AMANTES DESESPERADOS

No último livro da poeta angolana Ana Paula Tavares é visível, de novo, o carácter erótico da sua poesia, a começar pelo título, Manual para Amantes Desesperados. Na maior parte dos seus poemas, Ana Paula Tavares usa sabiamente o erotismo para cantar o papel da mulher angolana, com o pragmatismo de quem sabe a sério do que fala e que o faz também para denunciar a sua condição actual.
"Deixa a mão pousada na duna
Enquanto dura a tempestade de areia
A sede colherá o mel do corpo
Renasceremos tranquilos
De cada morte nos corpos
Eu em ti
Tu em mim
O deserto à volta".

Segundo Francisco Soares a poeta coloca, nos seus livros, o problema da feminilidade e, com ele, o problema de uma literatura feminina. Ou como diz Teresa Sá Couto, nos poemas de Ana Paula Tavares ouvem-se também os tambores da mãe África, nas cerimónias ancestrais de iniciação onde a mulher jovem recebia a máscara Pwo, com lágrimas entalhadas abaixo dos olhos numa expressão dolorosa de perda, também simbologia de morte e renascimento.
Para Luandino Vieira que concebeu a capa do livro, a escritora angolana não desiludiu. Considerando-se um amante desesperado confessa ter sido obrigado a aceitar os sonhos desfeitos, qual vaga-lume no coração encurralado da verdade. Identificando-se com a figura do rei, de um dos poemas, que é preterida em favor do escravo, Luandino faz assim a assunção da sua verdade, enfrentando-a como forma de ultrapassar os seus fantasmas, como só os homens inteiros são capazes.
"Deixa olhar o rei
Mas foi o escravo que chegou
Para me semear o corpo de erva rasteira
Devia sentar-me na cadeira ao lado do rei
Mas foi no chão que deixei a marca do meu corpo
Penteei-me para o rei
Mas foi ao escravo que dei as tranças do meu cabelo".

Numa edição da Caminho, Manual para Amantes Desesperados prima pela qualidade de uma literatura angolana onde Ana Paula Tavares tem um lugar de destaque, com uma poesia feita de fogo e sede, de areia e vento, de sangue e febre, de sons e segredos, de surpreendente frontalidade imprescindível para compreender a sua figura literária e humana.


Pensar e Falar Angola

1 comentário:

Anónimo disse...

Link do texto integral de Teresa Sá Couto, «O Corpo e a Teia - Poesia de ana Paula Tavares»:

http://www.kaminhos.com/artigo.asp?id_artigo=6198&id_seccao=5

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