No domingo passado resolvi dar uma volta em Lisboa e escolhi na zona de Belém o Jardim Botânico Tropical.
Este jardim, que está num magnífico estado de conservação, já teve ao longo dos anos vários nomes. Foi uma adaptação dos jardins dos Condes da Calheta, para que fosse um dos núcleos da Exposição do Mundo Português .
Nessa exposição começou por ser o “Jardim Colonial”, uma antevisão do que seria a zona dos “Descobrimentos” no “Potugal dos Pequenitos” em Coimbra numa obra do arquiteto Cassiano Branco. Neste espaço construíram-se pavilhões onde ao tempo se faziam exposições de artesanato, colóquios, mostras de trajes e outras iniciativas que ocuparam continuadamente o espaço entre 23 de Junho e 2 de Dezembro de 1940. A maioria encontra-se encerrada, apesar de relativamente bem cuidadas, excepção para a grande estufa central, que já terá conhecido melhoras dias, apesar de guardar espécies interessantes da flora africana.
Foi depois o Jardim do Ultramar, Tropical e finalmente Botânico Tropical, dependente do Instituto de Investigação Científica Tropical e é um espaço magnífico de Lisboa, paredes meias com o Palácio de Belém, residência oficial do Presidente da Republica de Portugal.
Confesso que as razões para voltar ao “Jardim Colonial” foi o facto de no Palácio dos Condes da Calheta, hoje propriedade do IICT, estar uma exposição interessantíssima chamada “Viagens e Missões Científicas nos Trópicos”, merecedora de uma visita detalhada, pois é uma viagem ao trabalho e ao estudo minucioso do que foram as missões ou as experiencias colectivas e individuais de cientistas, biólogos, geógrafos, tipógrafos, botânicos, ornitólogos, ou até vulgares diletantes no espaço colonial português.
A exposição é riquíssima não apenas no aspecto documental, mas também uma mostra muito bem organizada da multiplicidade de materiais utilizados por todas as expedições, desde as necessárias para definir fronteiras como as que assentaram nas prioridades económicas ou puramente académicas.
O mais importante a reter desta exposição é a alteração do seu contexto “ideológico”, pois deparamo-nos com a ausência dos panegíricos ao “mundo que os portugueses descobriram”, apenas uma homenagem aos valorosos homens e instituições que apenas tinha como móbil o factor científico dos seus trabalhos em circunstâncias particularmente difíceis. É uma avaliação muito subjectiva mas penso não ser alheio o facto dos autores dos módulos desta exposição serem jovens académicos despidos de alguns escolhos da mentalidade colonialista ainda perene nalguns sectores.
Entre o espólio de alguns ilustres cientistas, muitos deles apeados da toponímia luandense sem justificação plausível, e que aqui trarei em futuros artigos, achei interessante ver uma parte do espólio de José de Macedo, autor de um livro centenário sobre a política colonial denominado “Autonomia de Angola”, felizmente reeditado pelo IICT no ano passado.
José de Macedo (1876-1948) foi um republicano, maçom, pedagogo, jornalista e defensor da liberdade dos povos das colónias, num período em que o racismo e a exploração dos povos coloniais eram matriz essencial da primeira metade do século passado.
José de Macedo, fortemente influenciado pelo positivismo de Proudhon, grande companheiro de Magalhães Lima, referência maior da maçonaria portuguesa e figura de proa do Republicanismo Português, foi preso várias vezes pela sua luta contra a Monarquia, muitas vezes através da contundência dos seus escritos na “Lucta”.
Perseguido, embarca para Angola onde para além da sua actividade profissional de professor assume a direcção do jornal “A Defeza de Angola” (1903, segundo Julio Castro Lopo), e também aí é preso por ter gritado “Viva a Republica” num jantar no Hotel Areias onde fazia uma sessão com lojistas e funcionários em Angola. Fundou em Luanda o “Colégio Progresso”, fez vários percursos pelo interior do território donde resultaram livros importantíssimos para o estudo da sociedade angolana do virar do século e de enorme importância política e de apoio à etnologia e antropologia. Lutou pelo desenvolvimento e conhecimento da sociedade angolano e participou nas lutas cívicas anti-esclavagistas e favoráveis à alteração do controlo dos contratos de serviçais, que lhe granjearam um enorme respeito mas também muitos inimigos. Foi colaborador do Jornal de Benguela entre 1912 e 1919.
Deixou um grande espólio que a família legou ao IICT, e talvez tenha chegado a hora de começarmos a conhecer em pormenor um homem que foi sendo sucessivamente esquecido na voragem das transformações políticas.
Renunciou a cargos e honrarias e o seu mote de vida pode ficar neste parágrafo retirado do seu livro “Etnografia e Economia”: “Luta um velho que quer dar exemplo aos novos, de constância no estudo e no sacrifício de seu nome humilde que vem lembrar aos jovens que nunca é tarde para exercer uma função e que até ao túmulo deve aparecer perante os outros a expor o fruto do seu trabalho e das suas vigílias”.
Fernando Pereira
30/3/2011
Pensar e Falar Angola
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