
Churiungo/é das palavras mais antigas -/a voz/fruto bilingue/da infância", são versos de um poema de uma melancolia devastadora e que estão no livro "Sortilégios da Terra - Canto de Narração e Exemplo". O poeta angolano Zetha Gonçalves decifra essa palavra antiga: "Churiungo/é baga verde,/pintalgada de negro-// quando surge,/em seu esplendor nascente// serve,/esmagada,/para fazer cola-cola/caseira,/para papel.// Maduro/é noite de Lua Nova/- e sua escandalosa doçura:// namoram-no as crianças,/os catuituis,/e há até - por delícia e pecado! -/quem os apanhe/para fazer doce, compota." Zetho Cunha Gonçalves, vivendo embora em Portugal há muitos anos, nasceu na cidade do Huambo, em 1960. Este livro de poemas transborda de plantas, de frutos, de cheiros, de pratos tradicionais.
"Loangueiro não se planta - nasce/sortilégio da terra,/no meio do mato,/pelas terras todas/do Huambo até ao mar." Ou: "Estrume de cavalo é bom para a liamba - cresce/com mais força, faz pensar melhor." Ou: "Nocha - é o sol que se come,/ à beira da chuva:/o sol espesso/mordido pelos pássaros."
Toda a natureza, selvagem ou domesticada, é resumida no poema final "Canto da Narração e Exemplo" (Editora: Bonecos Rebeldes), relato do que há e não há, do que se come e não come, do que se bebe e do que não se bebe, no Cutato, entre Vila da Ponte e Chilandangombe. É uma espécie de enebriante langalenga infantil: "No Cutato/joga-se o tchela e dança-se a cauêma - não se come/gengibre,/nem cola, nem se come caju." Esta língua miscigenada, incluindo até expressões nganguelas é suave, cantante, dançante. Não deve ser isso a poesia?
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