Ontem contei uma ‘estória’ do Dr. Videira, hoje falarei dele, utilizando as palavras de Rodrigues Vaz
Conhecida personalidade do chamado reviralho, cujos ditos se passaram às novas gerações como lendas e cujas atitudes eram tão louvadas pela oposição ao regime de Salazar, como criticadas pelos situacionistas que, nas décadas de 40 e 50 não eram tantos como isso, pois, como é sabido, em muitas cidades de Angola, o almirante Américo Tomaz perdeu a favor de general Humberto Delgado nas eleições de 1959.
Figura incontornável dos anos 20 a 50 da vida social luandense, era o Dr. António Videira conhecido essencialmente como ilustre advogado, apresentando-se ele próprio como "Cidadão português, domiciliado em Luanda, de jure no gozo dos seus direitos civis e políticos, livre de culpa, bacharel em Direito". Grande animador do Aeroclube de Angola de que foi um dos pioneiros. Um acidente de aviação que ocorreu na Namíbia inspirar-lhe-ia o livro "Talvez...". Mas o livro "Angola – 10 Bilhetes Postais ilustrados", ilustrado pelo conhecido artista plástico Neves e Sousa, é a sua obra mais famosa. Publicado em 1955, ano da sua morte, vale a pena respigar do seu prefácio as seguintes palavras, pelo que podem esclarecer: "...mal mastigadas as últimas sebentas do curso, franganito insubmisso à vontade paterna, para Angola vim. Com curtas intermitências, por aqui, cavando alegremente na vinha do senhor, quarenta anos consumidos. Estouvado, irreverente, malcriado, esta gente amiga e desempoeirada - o ar por cá é mais limpo; respira-se melhor - sempre me perdoou e quis bem." Ainda dele conhece-se uma curiosa interpretação do "Fausto" de Goethe, ensaio editado pela Minerva de Luanda em 1945, além de outros livros sobre casos jurídicos, nomeadamente "Carta aberta ao Exmo. Capitão de Fragata" (1918), "Ensinamentos de um sonho" (1933), sobre "uma acção de restituição de posse por esbulho de lei", editado pelo autor e impresso na Tipografia Mondego, Luanda, e "Um caso de interpretação e aplicação da lei" (1951).
Tirou o curso na Universidade de Coimbra entre 1907 e 1912, foi governador civil de Lisboa, antes de embarcar para Luanda, onde fundou, em 1916 o "Jornal de Angola", apresentado como órgão político e noticioso, mas que era, antes de tudo, um jornal cívico e económico, de que foi director apenas entre 5 de Maio e 26 de Junho, pois o Centro Democrático de Angola acabaria por substitui-lo por motivos que estão bem patentes no seu editorial de despedida: "Sou gaúche em todas as coisas. Anunciei um jornal político, e quase só acusei correlegionários; prometi pugnar pelo desenvolvimento desta província, e lançam-me a responsabilidade de o ter entravado, delineei um critério mais justo para mais justa apreciação de brancos e pretos, europeus e indígenas, civilizadores e civilizandos, e a política local caça votos, acusando-me de pretofobo..."
Ele confessará: "Não posso mais. Cedo. O meio é um charco; e, de tanto mexer na lama, sinto-me agoniado". E mais adiante: "Fujo. Perseguido? -Não. Estafado e enojado. Desgostoso comigo mesmo pela falta de persistência que inutiliza a minha acção e deliberadamente convencido de que é impossível, já agora, salvar-se este país da falência moral para que caminha. (...) Portugal agoniza numa crise fatal de patriotismo e de consciência. Interesses, dinheiro, mais nada. A tal se reduziu o valor e ideal de vida. Medo e cinismo; só isso. Tudo zomba e tudo foge."
Devia ter tido muitas boas razões para se afastar, porque, afinal, no editorial tinha prometido que "O Jornal de Angola nem adubará potentados, nem desprezará os mais fracos. Nele, ao contrário, terão estes sempre um defensor leal, honesto, desinteressado, pronto a acusar todas as violências e a aplaudir todas as virtudes", promessa ainda muito difícil de cumprir agora, quanto mais naquele tempo.
Se lhe granjearam grandes inimizades, tais posições também lhe forneceram, por outro lado, a amizade e a admiração de muitas pessoas honestas, que também as havia na Angola daquele tempo, tendo acabado por funcionar como pontuador do contrapoder, que era uma interessante válvula de escape no marasmo e na intrigalhada constante que caracterizaram a colonização de Angola no século XX.
Figura incontornável dos anos 20 a 50 da vida social luandense, era o Dr. António Videira conhecido essencialmente como ilustre advogado, apresentando-se ele próprio como "Cidadão português, domiciliado em Luanda, de jure no gozo dos seus direitos civis e políticos, livre de culpa, bacharel em Direito". Grande animador do Aeroclube de Angola de que foi um dos pioneiros. Um acidente de aviação que ocorreu na Namíbia inspirar-lhe-ia o livro "Talvez...". Mas o livro "Angola – 10 Bilhetes Postais ilustrados", ilustrado pelo conhecido artista plástico Neves e Sousa, é a sua obra mais famosa. Publicado em 1955, ano da sua morte, vale a pena respigar do seu prefácio as seguintes palavras, pelo que podem esclarecer: "...mal mastigadas as últimas sebentas do curso, franganito insubmisso à vontade paterna, para Angola vim. Com curtas intermitências, por aqui, cavando alegremente na vinha do senhor, quarenta anos consumidos. Estouvado, irreverente, malcriado, esta gente amiga e desempoeirada - o ar por cá é mais limpo; respira-se melhor - sempre me perdoou e quis bem." Ainda dele conhece-se uma curiosa interpretação do "Fausto" de Goethe, ensaio editado pela Minerva de Luanda em 1945, além de outros livros sobre casos jurídicos, nomeadamente "Carta aberta ao Exmo. Capitão de Fragata" (1918), "Ensinamentos de um sonho" (1933), sobre "uma acção de restituição de posse por esbulho de lei", editado pelo autor e impresso na Tipografia Mondego, Luanda, e "Um caso de interpretação e aplicação da lei" (1951).
Tirou o curso na Universidade de Coimbra entre 1907 e 1912, foi governador civil de Lisboa, antes de embarcar para Luanda, onde fundou, em 1916 o "Jornal de Angola", apresentado como órgão político e noticioso, mas que era, antes de tudo, um jornal cívico e económico, de que foi director apenas entre 5 de Maio e 26 de Junho, pois o Centro Democrático de Angola acabaria por substitui-lo por motivos que estão bem patentes no seu editorial de despedida: "Sou gaúche em todas as coisas. Anunciei um jornal político, e quase só acusei correlegionários; prometi pugnar pelo desenvolvimento desta província, e lançam-me a responsabilidade de o ter entravado, delineei um critério mais justo para mais justa apreciação de brancos e pretos, europeus e indígenas, civilizadores e civilizandos, e a política local caça votos, acusando-me de pretofobo..."
Ele confessará: "Não posso mais. Cedo. O meio é um charco; e, de tanto mexer na lama, sinto-me agoniado". E mais adiante: "Fujo. Perseguido? -Não. Estafado e enojado. Desgostoso comigo mesmo pela falta de persistência que inutiliza a minha acção e deliberadamente convencido de que é impossível, já agora, salvar-se este país da falência moral para que caminha. (...) Portugal agoniza numa crise fatal de patriotismo e de consciência. Interesses, dinheiro, mais nada. A tal se reduziu o valor e ideal de vida. Medo e cinismo; só isso. Tudo zomba e tudo foge."
Devia ter tido muitas boas razões para se afastar, porque, afinal, no editorial tinha prometido que "O Jornal de Angola nem adubará potentados, nem desprezará os mais fracos. Nele, ao contrário, terão estes sempre um defensor leal, honesto, desinteressado, pronto a acusar todas as violências e a aplaudir todas as virtudes", promessa ainda muito difícil de cumprir agora, quanto mais naquele tempo.
Se lhe granjearam grandes inimizades, tais posições também lhe forneceram, por outro lado, a amizade e a admiração de muitas pessoas honestas, que também as havia na Angola daquele tempo, tendo acabado por funcionar como pontuador do contrapoder, que era uma interessante válvula de escape no marasmo e na intrigalhada constante que caracterizaram a colonização de Angola no século XX.
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