Benguela comemorou a 17 de Maio de 2012 os seus trezentos e noventa e cinco anos de “idade”, fundada que foi pelo Cerveira Pereira, um pouco maltratado pelo Pepetela, no seu o “a Sul, o Sombreiro”, o seu mais recente romance.
A incontornável macrocefalia de Luanda acaba por não dar o devido relevo ao desenvolvimento que se vai assistindo um pouco por todo o País e ignora-se como Benguela se tem afirmado num polo de desenvolvimento económico e cultural do centro sul de Angola, conseguindo recuperar alguma da auréola que o Lobito foi usurpando na fase final da ocupação colonial, mercê da posição privilegiada do seu porto e do terminal do CFB.
As gentes de Benguela foram sempre muito ciosas na defesa da sua cidade, e veja-se a luta que travaram quando o Caminho de Ferro de Benguela, a então majestática empresa inglesa se preparava para atravessar a cidade, como fez no Lobito, Huambo e outras vilas no seu percurso até ao Luau. A população não deixou, e nem as promessas da administração do CFB, acolitados pela indiferença cumplice das autoridades, conseguiram demover a população para que a cidade fosse dividida. Este é apenas um dos múltiplos exemplos da tenacidade das gentes da cidade, a segunda fundada pelos portugueses na costa do que veio mais tarde a ser a colónia de Angola.
Outra vetusta povoação de Angola, outrora um grande porto de exportação de café tem o seu rico património a degradar-se sem que se veja uma atitude coerente e incisiva por parte das autoridades para manter de pé uma vila que durante muitos anos foi marco importante no tecido económico do território. O Ambriz, situada na foz do Loge vê os seus edifícios a degradarem-se, nomeadamente a torre sineira da Camara Municipal, que era só um dos edifícios do início do século XX, orgulho das suas gentes e de características únicas no País.
Lembro-me, ainda que vagamente, da horrível estrada que ligava Luanda ao Uige, num total de 386km, no meio de lamaçais que passava no Cacuako, Kifangondo, Libongo, Capulo, Ambriz, Toto, Bembe, Lukunga, Songo e finalmente Uíge. O stress da viagem para além da necessidade de enfrentar lodaçais onde chegavam a estar atolados centenas de viaturas dias a fio, aumentava quando havia necessidade de se chegar a tempo das jangadas que placidamente cruzavam os rios Loge e Dande (Dange, na provincia do Uíge). Se perdesse a jangada Luanda ficava para o dia seguinte e lá tinham as pessoas que se arrumar numa sórdida pensão, que era a única solução para mitigar o desespero dos viajantes.
Há ainda que em mau estado um conjunto harmonioso de vivendas e lojas que atestam a vitalidade dos tempos áureos do café principalmente nos anos 50 com o boom do preço do “ouro negro” de então. Luanda e Lisboa crescem com prédios, bairros e avenidas novas, a construção civil dispara e nessas cidades surgem novas centralidades e um novo ordenamento do perímetro urbano.
Este alerta para a recuperação da vila do Ambriz é extensível ao património arquitetónico e cultural do País alertando que na antiga fazenda Tentativa, paredes meias com o Caxito, ainda era possível juntar algum material para perpetuar o duro trabalho da cana e a sua transformação em açúcar e álcool, criando-se um núcleo de arqueologia industrial que se revelaria útil para memória futura dos cidadãos.
O Ambriz perde toda a sua importância como porto de exportação, quando Luanda passa a ser o destino final da chamada “Estrada do Café”, que sai do Caxito, Sassa, Ucua, Puri, Quibaxe, Aldeia Viçosa, Vista Alegre, Quitexe e Uige. Esta estrada esteve sempre fechada ao tráfego normal no tempo colonial, recorrendo-se às colunas militares. A insofismável verdade que mesmo com a 1ª região político-militar do MPLA debilitada por razões sobejamente conhecidas, as tropas coloniais nunca conseguiram pacificar-se em relação à realidade quotidiana da guerra colonial nesta região dos Dembos, naquela que é das estradas mais bonitas do País, com o verde extasiante da sua paisagem ao logo dos 340km que ligam Luanda à capital da província.
Já que se falou no rio Dange não gostava de deixar de referenciar uma obra de grande probidade intelectual de um antigo habitante do Quitexe já falecido, João Nogueira Garcia, que ao longo de um livro pouco mais de cem páginas conta detalhadamente, com recurso a fotos e a documentos, o que foi o 15 de Março de 1961. João Garcia viveu esses dias e faz uma análise muito cuidada dos antecedentes e revela as vicissitudes desses dias que marcaram o futuro da guerra colonial e determinaram o princípio do fim da presença portuguesa em Angola enquanto colónia.
Um livro que merece uma leitura, sendo que talvez o mais difícil será mesmo encontrar. Sugiro que procurem um blog interessante sobre o Quitexe onde o filho, Engº João Garcia tem estado a postar partes do livro e outras histórias que não foram ainda publicadas em livro.
Fernando Pereira
16/5/2012
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