domingo, 16 de outubro de 2011

190 - Ágora - CRÓNICA BREJEIRA






Sou um admirador confesso do Luis Pacheco.
Luis Pacheco (1925-2008) foi só o mais virtuoso provocador das letras portuguesas. Colaborador da revista angolana “Notícia” entre 1968 e 1973 brindou-nos com crónicas que são constantemente reeditadas em antologias diversas. Era um homem pouco atreito a regras e multiplicador de inimigos, corrosivo bastante para provocar iras e alimentava debates constantes, muitos publicados que já fazem parte do acervo literário português. Provocador indocumentado, muito poucos conseguia escapar ao gume das suas palavras.
Era recorrente não ter dinheiro e recorria aos amigos para lhe valerem nos seus cada vez mais curtos ciclos de aflição, que a determinada altura passaram a eternos; Costumava classificar os amigos em função de quanto lhe emprestavam: amigos de vinte escudos (muitos), de cinquenta (muitos ainda), cem (uns poucos), quinhentos (raros) e mil (um apenas, o nosso conhecido Manoel Vinhas).
Em determinada altura os amigos davam-lhe trabalhos de tradução para ajudar a minorar os seus eternos apertos financeiros. Numa ocasião, o tradutor Bruno da Ponte resolve entregar-lhe uma parte da versão francesa do “Dicionário Filosófico” de Voltaire, já que na circunstância os prazos eram curtos e sempre ajudava o Pacheco a ganhar algum. O Luis recebeu o dinheiro mas a tradução demorava a sair, mesmo por insistência do Bruno da Ponte que estava a ser pressionado pela Editorial Presença, pois precisava do livro para distribuição. Depois de muito esforço o Luis Pacheco numa noite sentou-se em frente à sua máquina de escrever, e sem nenhum dicionário de apoio “aviou” a tradução. Acontece que havia palavras e termos que desconhecia, e colocou-as a vermelho para posteriormente as emendar; As palavras a vermelho eram um chorrilho de asneiras do mais ordinário possível, em que as palavras “merda” e “puta” eram indiscutivelmente as mais brandas. Foi dormir e nunca mais se lembrou do assunto. De manhã telefonam-lhe pela enésima vez a solicitarem a tradução e pegou nela, foi ao Correio e mandou-a para Lisboa para o Bruno da Ponte, que sem ler a entregou ao editor e este sem rever enviou para a tipografia. Os tipógrafos tinham um princípio de nunca alterar uma linha ao que lhe era enviado, porque julgavam que todas as palavras a vermelho faziam parte do texto, tipo “coisa de intelectuais”, e o que fizeram foi colocá-las em itálico. A edição começou a ser feita e o Luis Pacheco, num rebate tardio de lembrança resolve sair das Caldas da Rainha, onde morava, e vem a Lisboa à pressa tentar travar a impressão, o que só foi possível em parte. A verdade é que os exemplares que existem dessa edição atingiram um preço proibitivo, porque quem a possui não se quer desfazer dela por nada. Convenhamos que o nome do Luis Pacheco não aparece, e o Bruno da Ponte ainda hoje diz ter passado a maior vergonha da vida.
Já que se fala em gafes recordo que nos anos sessenta o jornal portuense “Primeiro de Janeiro” mandou para a rua uma edição matinal em letras garrafais, na primeira página, que dizia “Publicadas as contas gerais do Estado”; O detalhe importante foi que a tipografia omitiu o “T” na palavra “contas” e o resultado ficou bem à vista em todos os quiosques e ardinas, até a edição ter sido toda recolhida, já que no jornal ninguém tinha previamente visto com cuidado a página principal.
Em Coimbra existe um vetusto jornal conhecido como o “Al Calinas”, uma derivação do célebre jornal egípcio “Al Aran”,o Diário de Coimbra, que de vez em quando brindava-nos com títulos deste tipo: “Octogenária de oitenta anos caiu do eléctrico e ficou contusa”ou “ Arma de dois anos fere gravemente criança de dois canos” ou “Faltou a luz no estádio da mesma”, e por aí fora.
Nunca nos haveremos de esquecer “das propriedades afro-asiáticas” de uma planta com propriedades afrodisíacas, como bem dizia uma jovem locutora da TPA, nos tempos em que esta era ainda Popular e não Publica e a caminhar para a Privada!
Acham por isso que alguém se surpreende pelo anedótico da revista portuguesa “Sábado” num recente artigo sobre Luanda. Brejeirice total!

Fernando Pereira
27/08/2011



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