domingo, 2 de outubro de 2011

188 - Ágora -Não sei por onde vou mas sei que não se deve ir por aí






Por insistência de um amigo, fascinado pelos prédios em altura, acompanhei-o numa visita à “Nova Cidade de Kilamba Kiaxi”.
Habituado às bizarrices urbanísticas e aos discutíveis projectos arquitectónicos que enxameiam a cidade capital, limitei-me a encolher os ombros enquanto o meu amigo exultava com a quantidade de gruas e a dimensão dos estaleiros.
A ideia que trouxe quando saí daquele emaranhado de torres, atafulhadas umas em cima de outras, completamente desinseridos de um contexto aglutinador de cidade, só me resta achar enquanto observador diletante, que quem projectou aquilo está numa posição privilegiada para fazer muitíssimo pior.
Por ironia do destino, o Semanário Angolense fez na semana passada uma entrevista ao arquitecto Simões de Carvalho, um luandense nado e criado numa cidade onde participou em equipas interdisciplinares de planos directores municipais, elaborou coerentes planos de pormenor (o trabalho no Prenda é paradigmático) e executou obras arrojadas que passados mais de quarenta anos ainda são referências no caos urbano em que se transformou a cidade (a título de exemplo o edifício da Rádio Nacional de Angola).
Essa entrevista merece releitura atenta porque de uma forma cortês Simões de Carvalho, põe em causa o muito do que de mau se tem feito em Luanda para deleite de alguns, infelizmente bastantes, que olham para a cidade como se estivessem a ver uma Manhattan.
O arquitecto Simões de Carvalho entre vários exemplos foca a perigosidade dos arranha-céus construídos na baixa e na Ilha, e acima de tudo a existência de caves, num solo arenoso e permeável às águas. Não me canso de repetir que a entrevista merece reflexão, e acima de tudo urge discutir a cidade nas suas múltiplas vertentes, para ver se ainda vamos a tempo de conseguir salvar alguma coisa para o futuro, sendo nossa obrigação pedir desculpa aos vindouros por lhe termos legado um património edificado com tamanha falta de visão e qualidade.
A visita a Kilamba Kiaxi obrigou-me a procurar a revista “Novembro” de Fevereiro/ Abril de 1977, onde recordei a viagem de Fidel de Castro a Angola em 23 de Março de 1977. Dirigida pelo saudoso Mário Alcântara Monteiro, esta “Novembro” trouxe-me gratas recordações da vivencia colectiva de um País que emergia orgulhoso no contexto das nações africanas.
Fui ler o discurso de Fidel de Castro no Golfe, por ironia muito perto do que é hoje a Nova Cidade de Kilamba Kiaxi, e a realidade é que ao tempo o discurso era coerente e nalguns aspectos mantém grande actualidade.
“Antes de vir a Luanda, todos os cubanos me diziam: “Luanda é uma cidade muito bonita”. Efectivamente Luanda é uma cidade muito bonita. Tem grandes edifícios de dez, doze andares; grandes avenidas… Há 140 edifícios para terminar…” “Agora, o governo angolano enfrenta estes problemas: Muitos grandes edifícios que estão por terminar_ E muitas famílias vivem nos musseques. Que fazer? Dedicar todos os recursos a concluir esses edifícios? Serão alguns centos, talvez alguns milhares de habitações. Mas isso é muito caro. Com o que custa um desses apartamentos talvez se façam três casas…” “…Aqui no Golfe há-de erguer-se a primeira experiencia piloto de urbanização” …” Os prédios se forem muito altos precisam de elevadores, tecnologia que os angolanos não dispõem e ficam sempre dependentes dos países capitalistas para a sua manutenção”… Se forem moradias unifamiliares aumentam de tal forma a cidade que precisam de uma rede de transporte eficaz e as viaturas e manutenção dependem do imperialismo” …”a solução tem que ser prédios pequenos onde se estabeleçam relações de convívio e vizinhança e que não aumentem a cidade de forma a torná-la insuportável”… E por aí fora sintetizada numa frase: “ a Revolução tem que construir para todos”.
Do que li desta alocução de Fidel de Castro nada contraria o que Simões de Carvalho disse na sua entrevista ao Semanário Angolense. Ontem como hoje a manterem-se as coisas os problemas de amanhã serão os mesmos.
Fernando Pereira
30/7/2011



Pensar e Falar Angola

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