domingo, 13 de março de 2011

159 - Ágora - ARQUITEXTURA NA CELA






Uma das maiores bizarrices da “arquitextura” portuguesa em África é o colonato da Cela, no sudeste da província do Kwanza-Sul.
O termo “arquitextura” é uma originalidade do arquitecto Francisco Castro Rodrigues, um híbrido entre a arquitectura e o conjunto de “texturas”que fazem a vida colectiva de uma comunidade: social, política e económica.
O contexto da criação dos colonatos em que o de maior visibilidade é o da Cela, insere-se na continuidade do sonho de Norton de Matos, admirador confesso de Cecil Rhodes, de “importar” famílias portuguesas que se dispusessem a desenvolver economicamente o País, acabando com as relações comerciais e familiares ancestrais entre tribos de angolanos. Uma situação do tipo “arreda para lá, que esta terra é boa e vocês não sabem o que fazer dela”!
A melhor superfície cultivável, o antecipado apoio económico, a aquisição obrigatória do produto por parte dos serviços estatais no caso de não haver comprador privado, a instalação de um perfeito equipamento social de apoio ao colonato, entre outras mordomias eram direitos dos colonos que os angolanos estavam arredados, depois de lhe terem sido subtraídas as suas lavras, única riqueza que perpetuava a coesão da família tradicional angolana.
O maior mentor dos colonatos foi Vicente Ferreira, por sinal quem elevou a então Nova Lisboa a cidade, que manteve com Armindo Monteiro e Marcelo Caetano algumas divergências, fundamentalmente no que concerne ao recrutamento da mão-de-obra. Vicente Ferreira, assim como Norton de Matos, queria que os colonos dirigissem e os angolanos trabalhassem; Marcelo e Armindo defendiam que os colonos deviam trabalhar, sem recurso aos angolanos. Tecnicamente toda a supervisão, construção, legislação e adaptação foi executada pelo Engº Trigo de Morais e por Pequito Rebelo, que sobre o colonato da Cela dizia em 1961:”Daqui a anos com 100 aldeias, será um distrito Inteiramente branco na África negra, um Portugal em miniatura dentro da sua maior província, de onde irradiará energia colonizadora”. Foi criado em 1952, com o nome de Junta de Povoamento Agrário da Cela.
Não vou falar do PAN (Projecto Aldeia Nova), porque não conheço muito bem, e o que vou sabendo hoje é o que aprendi a ouvir há quarenta anos sobre o mesmo modelo de desenvolvimento agrário na Cela/Wako-Kungo: Um sorvedouro de dinheiro e um apeadeiro para novas oportunidades fora dali.
Um destes dias tive oportunidade de ver um documentário produzido pela RTP nos anos 60, com o inefável Amândio Cesar e o desaparecido Horácio Caio num trabalho sobre o colonato da Cela em que entrevistavam os colonos que por lá Portugal semeou. Era o que se chama o colonialismo serôdio, do pensar curto que cada entrevista deixava transparecer, com perguntas formatadas a respostas já ensaiadas à exaustão. Era o fim de festa anunciado, que em nada diferia da Exposição do Mundo Português na Praça do Império em 1940 na Lisboa capital do Império. Em certos momentos fez-me lembrar momentos de “A testemunha” com Harrison Ford, rodado em torno de uma comunidade Amish na Pennsilvania.
A arquitectura da Cela é qualquer coisa de parecido com o Portugal dos Pequenitos em Coimbra com risco de Cassiano Branco, um arquitecto democrata que desenhou no Lobito a magnífica estação dos CFB, hoje parcialmente ocupada por uma livraria. 
Cela em que a sede era Santa Comba, em homenagem ao “Botas”, alcunha de Salazar, e tinha no seu lugar cimeiro uma igreja, copiada em todos os pormenores da que existe em Santa Comba Dão, terra natal do ditador. Havia num perímetro circundante de umas dezenas de Kms cerca de 15 aldeias, o que daria um povoamento total de 350 famílias (28 por aldeia) o que daria cerca de 3000 colonos.
O arquitecto Fernando Batalha desenhou a maior parte das habitações e edifícios públicos da Cela, e fê-lo numa composição simétrica e arcaizante, no âmbito do GAU, com modelo empobrecido da casa portuguesa de Raul Lino. Era a África dos pequenos, com consequências nefastas para todos desde colonos a autóctones e contas públicas, para além do ar sem graça da arquitectura que nada tinha a ver com a realidade onde os edifícios foram implantados.
Sobre este assunto recomendo o livro de Cláudia Castelo, “Passagens para África” editado pela Afrontamento (7-2007), na colecção Biblioteca das Ciencias Sociais. Um excelente trabalho, que convenientemente estudado e com as experiencias já existentes pode conseguir inverter alguns projectos que a leigos parecem desenquadrados e a técnicos com saber reconhecido parecem pura estultícia.
Fernando Pereira
10/1/2011


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