quinta-feira, 12 de julho de 2007

FOGUEIRO

A poesia dos comboios passava ainda pela realidade dos factos que aconteciam e eram uma constante do dia a dia. Não se podia pensar que aquelas máquinas andavam só com a mestria dos maquinistas. Para colocar o vapor a produzir energia era preciso que houvesse quem metesse na fornalha toneladas de lenha. Por isso é que o CFB era dono da maior mata privada de eucaliptos do mundo! Os fogueiros e os ajudantes de maquinistas eram os homens, angolanos, que faziam com que tudo estivesse em consonância com o que era exigido. Havia muitas estórias sobre estes homens, todos negros. Umas boas, outras más, muito más. Mais estas que as primeiras.
Lembro-me que um dia, na penumbra da noite, tomei consciência de que nem tudo era côr de rosa na vida da companhia dos caminhos de ferro. O meu pai e outros maquinistas falavam dos tempos que se viviam e do início do "terrorismo" e tentavam encontrar explicação para muitos acontecimentos da época, enquanto eu fingia dormir. Alguns recordavam os tempos difíceis da Europa e dos campos de concentração que se "fabricaram" por todo o continente. Outros contavam estórias de arrepiar e que se passavam bem perto de nós. Insultos, sevícias, maus tratos, desaparecimentos "misteriosos" nas viagens, porrada se refilavam, tudo se ouvia dizer mas ninguém tinha certezas ou não queria problemas com o poder instituído. E tudo estava relacionado com os angolanos que tinham um contributo enorme para produzir riqueza. Soube de muitos que eram solidários com essa gente e tinham capacidade para perceberem o que estava mal e porque se tinha dado o 4 de Fevereiro.
Não esquecerei que foi nessa altura que comecei a ler, às escondidas, um livro que guardo na memória e que estava na mesinha de cabeceira, bem lá no fundo de um tampo falso, do quarto de meus pais: Os Médicos Malditos de Christian Bernadac.

Pensar e Falar Angola

1 comentário:

NAMIBIANO FERREIRA disse...

Cheguei aqui com a ajuda do Mario Tendinha, hoje nao tenho tempo de visitar todo o seu blog mas prometo voltar. Este texto traz-me a lembranca as conversas ciciadas durante os seroes dos mais velhos e como voce tambem eu fingia dormir e foi assim que recolhi muitas informacoes, como por exemplo: conversas de e sobre independencia.
Parabens pelo blog!
Kandandu
Namibiano Ferreira

vida é obra

Dr. Agostinho Neto