domingo, 20 de maio de 2012

221 - Ágora - Duração do aroma



Esta era a madrugada que eu esperava O dia inicial inteiro e limpo Onde emergimos da noite e do silêncio E livres habitamos a substância do tempo Sophia de Mello Breyner Andresen Trinta e oito anos depois da madrugada libertadora do 25 de Abril de 1974, tento manter vivo o sonho que perpassou por todos que sentiram a vertigem da liberdade e do fim da opressão. Muitos dizem que o 25/4/1974 acabou, outros nem se lembram, para a maior parte é uma data demasiado longínqua para ser vivida com a emoção igual à de todos os que a vivemos. Felizmente que Abril não precisa de ser recordado quotidianamente porque valores aparentemente tão comezinhos como liberdade, dignidade e solidariedade estão intrinsecamente ligados às lutas quotidianas das pessoas no encontrar de melhores dias. O 25 de Abril de 1974 continuou em 11 de Novembro de 1975, e hoje os dois países caminham juntos na resolução dos seus problemas comuns, aprofundam as suas trocas comerciais, partilham experiências culturais e fazem objetivamente tudo que foi adiado por décadas de intolerância e divisões de diversa ordem. Há muita história vivida nesses tempos de inebriante alegria coletiva, e hoje ocorre-me lembrar que, quando o dia da libertação era já um dado adquirido, a preocupação de todos foi dirigirmo-nos, em Coimbra, para as instalações da sinistra PIDE-DGS, onde os agentes e os malsins dessa polícia política estavam sitiados pela multidão vigilante, que não arredava pé. A PIDE estava localizada na Rua Antero Quental, bem perto das repúblicas do Kimbo dos Sobas e dos Mil-y-onários, que foram durante anos visadas pelas visitas constantes de agentes, que prenderam alguns estudantes engajados nos movimentos de libertação das colónias, principalmente de Angola. Naturalmente que estava lá e sentei-me num telhado sobranceiro à vivenda sitiada com o Carrilho, estudante moçambicano que anos mais tarde foi Procurador-Geral da República em Moçambique e julgo que Ministro da Justiça. Por ali ficámos horas esquecidas, até que os militares entraram com “Chaimites” para levar os PIDEs à cadeia. Fomos desmobilizando e, em grupo , lá fomos ocupar outras instalações onde estavam sedeadas estruturas políticas ligadas ao regime deposto, como por exemplo o “Centro de Estudos Ultramarinos”, que transformámos em “Casa dos Estudantes das Colónias”, e onde tivemos atividade importante em determinada fase do processo de descolonização, principalmente na sua fase embrionária. Passados uns anos, o meu amigo José Alberto Teixeira, jurista, capitão da seleção de voleibol de Angola e administrador da Agropromotora mostrou-me em Luanda um conjunto de fotografias do nosso tempo de Coimbra. Fomos contemporâneos por lá e, surpreendentemente, num conjunto delas sobre esse assalto à PIDE, lá se vêem no telhado eu e o Carrilho a olhar distraidamente para as movimentações que levaram ao fim da hedionda polícia política de António de Oliveira Ndalatando, como alguém já disse com muita piada sobre Salazar. De vez em quando passo os olhos pela atividade de Universidades de Angola e em algumas vejo que têm instituído o “Conselho de Sábios”, onde pontificam nalguns, amigos e ex-colegas de serviço. Isto faz-me lembrar que tive um professor de “Hermenêutica do texto filosófico”, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, que na primeira aula, entre várias vulgaridades, falava de ter ido à Grécia, tendo-se sentado na pedra onde Sócrates habitualmente falava aos seus prosélitos, e tinha ido a uma reunião de eméritos professores de filosofia em Delfos onde “só sábios éramos dez”. Tive que ouvir esta conversa durante dois anos, porque o Dr. Morujão resolveu chumbar-me da primeira vez, talvez para que eu ficasse com a matéria bem solidificada. Em jeito final, não deixaria de manifestar a minha admiração por algumas publicações que se fazem em Angola, e em que a quase totalidade dos colaboradores são angolanos. A “Austral”, revista de bordo da TAAG, é um exemplo de um belíssimo trabalho de alguns anos que se lê com enorme prazer. Excelente grafismo, artigos com um português rigoroso e temas com grande interesse histórico ou de atualidade. Na minha subjetividade, fico com a sensação de que os artigos são demasiadamente longos para uma revista de bordo. É a única "pecha" que lhe reconheço e a “Austral” dignifica, e de que maneira, a nossa companhia aérea. 
Fernando Pereira 24/4/2012



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