Neste documento, a cada dia que passa vou fazendo uma retrospectiva da minha vida, pessoal, social, partidária, económica como pequeno empresário, mas o que preocupa é mesmo a situação ameaçadora que paira sobre a minha pátria, a minha terra.
Que ameaças são essas?
Muitas, os atentados contra a nossa soberania que está em perigo.
De que forma?
Muitas. O problema da migração estrangeira descontrolada, os casamentos que vão realizando com as nossas irmãs. Veja que em tempos estive a fazer investigações sobre estes indivíduos muçulmanos da África branca que estão casando com compatriotas nossas e os miúdos em tenra idade para ai com dois anos estão a ser levados para as suas terras de origem. Acho que isso se enquadra dentro de uma estratégia de preparar estes meninos para a médio e longos prazos virem disputar o poder, é que nem dão a liberdade e a possibilidade a essas mães reivindicarem. É um apelo que eu faço às instituições viradas para as crianças que é para acompanharem bem esses processos que considero de roubo. Se eles são cidadãos angolanos deveriam ter uma autorização da Assembleia Nacional para sair, está tudo previsto na lei.
Qual deveria ser a intervenção do parlamento para reverter esta situação?
Eles deveriam começar por fazer um estudo, porque também não se apercebem. Aqui em Angola tudo é normal, mas acho que em termos de segurança nacional há que acautelar algumas coisas. Há questões de soberania que são muito vulneráveis na nossa terra.
É só ver que as pessoas que emigraram para aqui e já têm bilhete de identidade, já têm passaporte e até assentos de nascimento, que é o mais grave. Acho que aproveitaram as debilidades junto do Ministério da Justiça e fizeram toda a operação.
Isto não acontecerá com a ajuda de cidadãos angolanos?
Se tem ou não tem, as polícias são criadas para cuidar desses problemas e dar solução senão, não vale a pena ter as várias polícias. O INAC está aí para ver a questão da reinserção social da criança, mas o resto é uma questão criminal. A saída de uma criança para o exterior sem o consentimento da nação é um perigo.
Cx. “Sobrados também fizeram-se ao poder”
Um verdadeiro sentimento de nação precisa-se… O sentimento de nação também existe pelo menos teoricamente, há alguns erros, há práticas menos boas, mas ele existe.
Quais são essas práticas menos boas que podem afectar a coesão nacional?
Há muitos problemas e eu toco muito no problema da soberania deste país. Ao longo da colonização os portugueses não morriam de amores pelos angolanos e mandaram vir de outras províncias do Portugal muita gente para fazer o controlo dos angolanos por causa das acções de rebeldia que iam surgindo. E vieram aqui muitas gentea de Cabo-Verde, das Índias, Moçambique, São-Tomé.
Os angolanos eram os únicos que não podiam capitanear, isto para torná-los isentos de qualquer sentimento com relação à pátria porque não eram daqui, qualquer ordem que era baixada devia ser cumprida. Agora, em 1974 há uma série de aspectos que devíamos ter visto para a segurança dos interesses da nação. Eu, por caso, estou a escrever uma obra intitulada “Os sobrados do colonialismo”. Que é mesmo esses sobrados que ficaram por aqui, como é que ficaram, e onde é que eles estão. O certo é que muita dessa gente dos sobrados também se fizeram ao poder.
O que pretende mostrar com esta obra?
Eu, às vezes, vejo os poucos cuidados que tivemos em perspectivar esta pátria, salvaguardando-a dos assaltos de todos estes predadores que vamos encontrando na nossa política.
Mas como é que isso é possível, quando alguns desses predadores são mesmo angolanos…
São.
O que é que falta do ponto de vista da percepção do MPLA?
Esses problemas no MPLA também já são muito antigos. É só uma questão de adentrar para a história do próprio MPLA que é para ver as convulsões que foram surgindo ao longo dos tempos com a maka dos Pintos de Andrade, Viriato da Cruz, Matias Miguéis, Chipenda, Revolta Activa. Quer dizer que fomos vivendo ao longo desse tempo com algumas inquietações e tentativas de desvios ideológicos internamente, isto segundo a história, e é provável que hoje também haja gente a fazer desvios ideológicos.
Mas agora revestidos de outras formas...
Mesmo quando andávamos a cumprir o programa mínimo também fazíamos luta no sentido de roubar o colonialismo, mas chamamos sempre atenção para o facto de defendermos os interesses mais nobres desta nação de forma que não fossemos colonizados por outras formas diferentes. As formas são sempre diferentes, mas os objectivos são sempre os mesmos.
Qual a avaliação que faz do fenómeno corrupção que começou com o advento da paz.
Há pouco debate no MPLA, há mais moções de estratégia
Isto não é debatido no MPLA? Durante o MPLA-movimento fez-se sempre um esforço no sentido de às vezes coartar as possibilidades de realização destas acções subversivas dentro dum amplo movimento de crítica e auto-crítica, havia democracia, mas já nessa altura também havia indivíduos que lutavam no sentido de corroer o poder (…) eu acho que o meu MPLA precisa de possibilitar a massa militante de exercer, de facto, um amplo movimento de democracia, isto não pode funcionar conforme se está a fazer, até dá a impressão que o partido tem dono.
Mas o partido tem líderes e, seguramente, que tem um think tank que deve pensar as políticas a implementar em Angola pelo MPLA…
O que temos notado é que o MPLA está-se a tornar num partido altamente mecanizado. Vai-se buscar os tecnocratas que vão produzindo aquilo que interessa ao partido mesmo sem terem em conta, às vezes, a anuência da massa militante, e aparecem a fazer imposições, já não discutem os problemas, é tudo moção de estratégia para aqui e acolá e arrastam cada vez mais as pessoas só para baterem palmas.
Tudo para eles é um tabu e não vemos as coisas com seriedade. Discutíamos mais problemas internos antigamente com todo o criticismo que se exigia naquela altura do que hoje.
Quais são os grandes tabús que aparecem hoje no MPLA?
Eu para ser primeiro secretário de um CAP tenho que passar pelo crivo.
Eu estou sujeito à crítica de todos os camaradas que fazem parte desse CAP.
E há vezes que o CAP não representa sequer um metro quadrado de território. Como é que para cargos superiores ao do primeiro secretário do CAP as pessoas vêm com moções de estratégia como se tivessem medo de passar pelo crivo. Eu acho que num amplo movimento democrático as pessoas têm que vir, correr o risco, têm que se apresentar, estar sujeito à crítica para merecerem, de facto, a confiança daqueles que votam. Então se eu no CAP tenho que passar nesse crivo para governar ao nível superior não é preciso? É só preciso a moção de estratégia?
Está a dizer que o MPLA se tornou alérgico a críticas?
Olha, tornou-se. Nesses últimos anos está a tornar-se muito alérgico à critica.
O facto de grande parte dos responsáveis do partido e alguns no executivo terem encarnada a cultura militar que não admite a democracia será o reflexo disso?
Nas forças armadas não é que não haja democracia. Há democracia. Eu fui comissário político e há democracia. Agora, a forma do exercício da democracia dentro das unidades militares e para-militares não é como se faz cá fora. Nós sempre tivemos. O comissário político aparecia como um guardião dos interesses sociais dos militares. Era junto do comissário político onde cada militar vinha apresentar as suas preocupações sociais.
Porquê que isso não tem um reflexo na condução do país?
O problema está na própria essência actual do partido (...) cada dia que passa é mais gente a emigrar para o MPLA e até é bom eles migrarem. Mas nesse processo de renovações e continuidade há que ter em conta a matriz dessas organizações, porque senão isso fica muito banal, qualquer tecnocrata entra, não é militante e a gente o transforma em militante e criam um conjunto de situações adversas.
Não estou de acordo
Catete volta a ser reintegrada à província de Luanda, qual o seu comentário acerca disso?
Em relação a isso, eu gostaria de dizer que não estou nada de acordo.
Eu acho que as pessoas têm de voltar.
Porquê que hão-de ocupar as terras indivíduos vindos de outras paragens se nós até em Luanda estamos a viver muito mal? Eu acho até que Catete, e Icolo e Bengo nunca saíram de Luanda, porque as fronteiras de Luanda passaram por aqui, isto é tudo Luanda
Acho que é uma medida meramente económica que, às vezes, não tem em conta os interesses culturais das pessoas que aqui vivem. Há um querer de muita gente vir para aqui aproveitar o território para desenvolver actividade económica e isso não é justo, não é correcto.
Quais são os sinais que lhe permitem afirmar isso?
Bom, é uma questão de vir do quilómetro 25 até aqui e ver quem está a ocupar o território. É uma ocupação anárquica. Também aparecem com nomes do Executivo, mas quando chegam aqui aproveitam-se das terras para desenvolver projectos particulares.
Há um assalto das terras ancestrais de famílias locais?
Há um assalto e é só para chamar a atenção a quase todo o mundo que devido à guerra colonial e depois da acção do 4 de Fevereiro este povo, em mais de 50 por cento teve que sair daqui forçados. Você se for a Luanda actualmente vai encontrar mais de 500 mil pessoas saídas daqui. Você vai ao Cazenga, Rangel, Golfe e encontra pessoas daqui.
Defende o “havemos de voltar” de Agostinho Neto?
Eu acho que as pessoas têm de voltar. Porquê que hão-de ocupar as terras indivíduos vindos de outras paragens se nós até em Luanda estamos a viver muito mal? Eu acho até que Catete, e Icolo e Bengo nunca saíram de Luanda, porque as fronteiras de Luanda passaram por aqui, isto é tudo Luanda. Nós vamos só é mudar de estatuto. É preciso que na mudança de estatuto se salvaguardem os interesses das pessoas que vivem aqui, e dos que vivem em Luanda. Há um conjunto de aldeias aqui desabitadas porque o pessoal teve que fugir durante as duas guerras. Agora, na requalificação de Luanda não é mais justo fazer renascer estas aldeias, criar novas cidades, retirar dali e coabitarem com os outros povos?
Acabamos de fazer uma viagem de constatação à aldeia de Kaxikane, a terra onde nasceu o primeiro presidente de Angola e, certamente, ali vive-se uma situação crítica…
É uma situação de abandono, é assim que estas terras se encontram, é assim que o município está. Não temos água potável, não temos energia com qualidade. Tudo quanto está a ser implantado não tem qualquer vínculo com os autóctones, é muito complicado e o que assistimos é uma ocupação das terras e poucas oportunidades para os natos fazerem qualquer coisa de interesse para o desenvolvimento disso.
Mas há uma nova urbanização para acolher os habitantes de Kaxikane, isto é um sinal que permita concluir que há uma valorização da localidade?
Eu se mandasse neste país chamaria uns técnicos do Executivo viria ao terreno para conversar com os autóctones para fazer uma avaliação da situação global. Nós não podemos estar a fazer as coisas como se estivéssemos a fazer um manta de remendos. O crescimento tem que ser integral. Isto é como dizer vamos anexar o Icolo e Bengo a Luanda por um período de 25 anos.
Porquê que não fazem por 50 anos, porquê que não trazem os técnicos para ver as mais variadas vertentes do social, do económico para darmos respostas globais aos problemas? Temos que começar a perspectivar isso a médio e longo prazos e fazer programas integrados para satisfação de todos os povos.
Kaxikane só voltará a ter vida a 17 de Setembro…
Olha, foi muito difícil chegar a Kaxikane. Levamos mais de duas horas e a desmatar a estrada. Há uma coisa que temos que chamar a atenção a quem governa este pais. Já estamos com um problema de soberania que temos que defender e há ainda o problema da educação. Há aí um sistema de ensino que chama-lhe reforma. Acho que aquilo é uma reforma de uma coisa boa para outra má. Se forem às escolas hão-de constatar que estes miúdos não lêem, não fazem matemática.
Há aqui alunos que estudam a oitava, nona, décima classes que não estão a fazer matemática, não estão a ler e há o problema dos manuais que não trazem conteúdos históricos e a população angolana não conhece a História de Angola. A qualidade dos professores que mandam para aqui é má.
Falando em História de Angola, não acha que seria altura de dar maior aproveitamento a Kaxikane, onde está o busto de Agostinho Neto?
Olha, eu sou já um meio velho e vivi durante muito tempo no sistema colonial, onde também tive oportunidade de estudar numa escola primária e nos seus programas de ensino direccionavam uma série de temas ligados à educação patriótica como a obrigatoriedade de conhecer o hino e são passados cinquenta e tal anos e até agora não me esqueci do hino. A romagem aos locais históricos para perpetuar a os valores.
As ruas todas tinham nomes de celebridades sociais, culturais, históricas, políticas como Almeida Garret, Oliveira Salazar. Eu acho que em Angola os que dirigem, não sei se é influenciado pelos números da corrupção, onde deviam estar os nomes dessas celebridades angolanas estão a meter números. Os programas de educação patriótica não são só dentro das salas, aí onde as pessoas convivem tem que lá estar as marcas para que as pessoas de tanto ler e ver as pessoas facilmente vão conhecendo.
As crianças avistadas naquela aldeia será que têm noção do seu valor histórico?
Não.
Porquê?
Vocês viram como é que elas vivem no meio daquele capinzal todo e não tivemos oportunidade de ir ver as escolas se funcionam ou não. Veja um professor que sai de um meio urbano ser colocado no meio daquele capinzal para dar aulas. Acho que ele deserta mais do que pára lá para dar aulas.
Depois os próprios manuais não dizem nada sobre aquele lugar.
A população de Icolo e Bengo está informada das mudanças que estão em curso?
Ainda não. Deve estar a ouvir só de mujimbos.
Não houve um trabalho prévio?
Foi pouco.
O que é que se fez de concreto?
Nada. A primeira vez esteve aqui o ministro da Administração do Território e disse que queria falar connosco. Fomos ao anfiteatro e é lá onde tomámos conhecimento de que havia a pretensão de dividirem o município e que uma parte iria para Luanda. E é nessa mesma reunião onde disse que não estava de acordo, porque esta pretensão não era um mero exercício de geometria ou de geografia, porque há uma série de aspectos culturais e históricos a ter em conta.
Mas os interesses do Estado não falam mais alto?
Mas quem é o Estado, não somos nós? Eu acho que estes indivíduos são governantes nossos, são mandatários, não acha que eles devem conversar primeiro com os donos que é o Estado? O governo é que é do povo, é do Estado. Não é o povo nem o Estado que é do governo, acho que estamos a inverter os termos e é precisamente esta inversão de valores que temos que acabar, é preciso conversar, eu sou beneficiário, não acha que têm que conversar com os beneficiários?
Qual o verdadeiro sentimento do povo desta região?
Tanto mal que é feito aqui, estamos a tentar ao nível do partido e do governo elaborar uma estratégia para podermos acomodar os nossos interesses, para não irmos por arrasto. Não vemos nobreza nenhuma na anexação disto.
O que a gente pretendeu ao longo destes anos é que viessem aqui fazer melhorias.
Nunca houve?
Não. E as tais melhorias hoje está a Coca-Cola é tudo por causa das receitas fiscais que as pessoas querem anexar as coisas estamos a falar de Icolo e Bengo e não da Namíbia. Então Icolo e Bengo que também é território angolano não pode beneficiar das suas riquezas, o Dande não pode ter um porto? É aí onde eu chamo atenção para a reordenação do território ao nível geral (...) eu também já estive numa reunião nas Lundas presidida pelo camarada presidente e criou mal-estar onde o soba Muatxissengue abandonou a reunião por causa da região de Cafunfo, que o soba defendia que era
pertença das Lundas. Não me contaram, eu estive lá e houve mesmo mal-estar.
‘Sou um autarca’
Porque se persiste neste tipo de erros?
Falta de consulta. Porque não estão dispostos a fazerem consultas. Uma coisa é você ser nomeado ministro é especialista em águas, mas pode não ser especialista noutras áreas e na sociedade há muitos indivíduos que são especialistas e não podem ser ministros, mas podem ser autarcas e devem ser consultados. Eu funciono muito como um autarca aqui no Icolo e Bengo e faço questão de participar nas reuniões onde se tomam decisões sobre o território e este povo.
O senhor participa porque é chamado ou porque tem que lá estar?
Eu sou um partidário, sou membro do comité municipal e provincial do partido, sou membro da comissão executiva e faço filantropia. Ou por uma ou por outra eu apareço sempre sendo chamado.
Sente-se um cidadão do Bengo, apesar de não ter nascido aqui?
Muito bem, e quando falto a estas reuniões candentes a população fica muito triste.
Está a preparar o percurso político para assumir uma futura autarquia aqui em Icolo e Bengo?
E não só, eu sou um cidadão.
O que aspira mais no MPLA?
Resolver os problemas do povo.
Eu sou indivíduo que hoje já não me considero mártir, mas fui mártir do colonialismo português. Meu pai esteve preso durante dez anos. Você sabe o que é ter uma mãe lavadeira com quatro filhos no ensino secundário e liceal, a ganhar misérias, pagar propinas, comprar livros, alimentá-los e não aparecer nenhum angolano a esticar a mão para ajudar? Eu até digo que esses meninos hoje são muito felizes porque vai aparecendo uma “mão solidária” para os proteger, naquela altura era complicado e onde até os patriotas angolanos fugiam-nos com receio de serem conotados com o terrorismo, porque éramos filhos de terroristas. Eu estudei no Lubango e na minha escola as minhas professoras sabiam que nós éramos filhos de terroristas e foram as pessoas que mais apareceram para nos apoiar. O Garibaldino, que era dono de uma livraria na rua do Picadeiro no Lubango, o Leonel Cosme que era um radialista da Rádio Clube e sua esposa que era minha professora Dona Regina que iam desencantando alguns subsídios para nos ajudar a sobreviver.
Não apareceu nenhum patriota negro a apoiar-nos e são todos estes sentimentos do passado que me movem a vir defender estas causas porque eu também passei por lá e eu acho um absurdo muita gente que também passou por aí, ao invés de estar solidária com esta gente até nos dá a impressão que lhes provoca revolta verem os pobres quando eles deviam ajudar a resolver os problemas e têm sensibilidade porque já passaram por lá, e que eles aparecem como se quisessem vingar desses novos pobres. Não está bem, está mal.
A sua forma de estar e de ser não se ficará a dever ao seu pai?
Agora, uma coisa eu lhe garanto, na minha família tem muita gente leal que não está ligada à corrupção e aos crimes que são praticados em Angola. Não é que a gente não tenha oportunidade de fazer, não faz parte dos nossos princípios. Porque nós somos mesmo do MPLA
Olha, filho de cobra é cobra. É um dito popular, porque eu tenho mesmo que seguir exemplos nobres e a minha família é mesmo nobre. Ela tem participação no processo de independência e o hábito faz o monge, se os pais lutam por causas justas, os filhos gostam são educados para fazer o mesmo.
Esta vossa forma de ser espontânea e explosiva já vos custou amargos de boca?
Não é explosiva. É justa, porque a justeza na observância de princípios nem sempre agrada a todos. Agora, uma coisa eu lhe garanto, na minha família tem muita gente leal que não está ligada à corrupção e aos crimes que são praticados em Angola. Não é que a gente não tenha oportunidade de fazer, não faz parte dos nossos princípios.
Porque nós somos mesmo do MPLA.
Há indivíduos que estão nos mais altos cargos do MPLA e do Executivo que só estão a ostentar bandeiras e camisolas do MPLA, mas já não são do MPLA pelas suas práticas. Porque a prática deles diz que não são. Nós continuamos ainda dentro do MPLA. Vamos travar uma luta muito séria no futuro, porque o MPLA vai correr o risco de ser sancionado negativamente por causa desses infiltrados e indivíduos malfeitores que tudo fazem só para se beneficiarem do MPLA e destruírem o MPLA.
Um congresso não teria possibilidades de extirpar esses malfeitores?
Eu acho que não há hipótese.
Não há nenhum remédio?
É muito difícil hoje você falar de corrupção e não falar dos militantes do MPLA e quadros de proa. Há vezes quando a gente fala dizem que temos inveja. Não. Nós não temos inveja de ladrões. Nós sentimos é ódio, porque consideramos estas atitudes como alta traição a todos aqueles que nos respeitaram e que perderam as suas vidas e abandonaram milhares de famílias por esta Angola.
‘Na minha família é proibido roubar’
Mas se estivesse lá não faria o mesmo?
Olha, eu sou amigo desses generais todos. Não. Na minha família é proibido roubar. Não é uma questão de falta de oportunidade. Agora, ser conforme nós somos é preciso fazer cultura, isso não é para quem quer, é para quem merece. Para quem pode. Viver no bem também custa. Veja lá o sofrimento a que estamos sujeitos quando nos coartam todas as possibilidades de nos desenvolvermos. As portas dos bancos não se abrem, não se abre nenhuma porta e há vezes que sentimos que somos uma família a abater. É sempre de forma pejorativa, vão falando, vão se rindo. Oxalá eles consigam perpetuar isto, que eu não acredito porque Salazar pensou que isto iria continuar, outros tiranos também pensaram que iriam continuar. Eu acho que essa gente está a fazer uma má leitura dos tempos.
Por altura das eleições na FAF, escreveu uma carta aos generais de uma das listas. O que o motivou a escrevê-la.
Eu às vezes me inspiro muito também nos discursos do camarada presidente José Eduardo dos Santos. A uma determinada altura até disse que nós já tínhamos cumprido a nossa missão e que devíamos passar o nosso legado aos mais jovens. Isto não é herança de ninguém. A guerra já acabou, se estão dois militantes do MPLA a concorrer para um cargo igual é bastante oneroso, há grandes investimentos nisto aí. Os investimentos não são do Estado. Há muita gente que vive do erário público, mas para o caso de outros indivíduos não é bem assim. Não acha que dois militantes do MPLA, um mais velho outro mais novo a concorrer, a gente dá oportunidade ao mais novo por dar maiores garantias de dar sequência a qualquer projecto iniciado agora, depois de a FAF ter saído de uma situação desastrosa. Porquê insistir sempre com os militares? E ainda se fossem pessoas com moral alta e bons exemplos de moral a seguir é um bocadinho complicado. Porquê insistir neste tipo de quadros? Aqueles que governam também deviam ter moral perante a sociedade. Há vezes que eu fico assustado quando vejo na televisão slogan de que o João, o André são líderes da juventude, empresários, quando até são maus exemplos de moral? Acha que vamos construir uma sociedade com essas imoralidades?
Por altura do levante dos movimentos havidos na região do Maghreb, o senhor também dirigiu cartas aos dirigentes a fazer determinados alertas, estas cartas foram tidas em conta?
Olha, eu sou mais velho, sou bantu, eu sou africano e na cultura bantu, para nós africanos, os mais velhos devem ter muita moral e devem ajudar a liderar e é dentro desta sabedoria onde nós intervimos mesmo não tendo sido nomeado, porque isto é cultural, não institucional, e tenho aparecido para chamar atenção que os tempos estão a mudar .
Obteve alguma resposta?
Eu não preciso de resposta, mas sei que as minhas pretensões chegaram ao destinatário, mas mesmo a aconselhar me têm dito: você tenha cuidado. Eu não nasci para ter kanga, este país é meu e vou lutar, porque isto custou sangue. Não vamos deixar nada disto ir de mão beijada para estes predadores.
Concorda com os comités de especialidade?
Concordo, se for para trazer visões.
Mas mesmo com esta nata reunida no seu partido ainda temos problemas na área da saúde, educação, tem isto alguma valia?
Tem, para criar algumas visões, porque os partidos cada vez mais se afirmam como partido-governo.
Governar é complicado não é mera paixão, então é sempre bom que estes tecnocratas apareçam para dar os seus subsídios. Os comités de especialidade também não costumam governar.
Que leitura faz da necessidade da abordagem para resolver o passivo do 27 de Maio, tem alguma visão?
Eu também sou daqueles indivíduos que assisti, porque era muito miúdo em termos de hierarquia e nada podia fazer, mas também posso vos dizer que não gostei. Foi um acto vil, macabro.
Muito tenebroso. E este problema não pode ser visto como um tabu, conforme a gente quer ver, porque é um problema muito sério. Acho que houve atrocidades de ambas as partes e houve falta de cuidado e a nação também só tinha dois anos de existência. Fico muito triste, quando vejo mais velhos, figuras de proa, a ameaçarem os jovens de que se se manifestarem vão tomar medidas iguais as de 27 de Maio. Eu acho que estas pessoas devem ser presas, essa gente tem que ir para a cadeia, porque estão a denunciar de facto os intentos de ontem, quando deviam ficar arrepiados, comovidos e tristes com essas viúvas, ver como é que resolveríamos o problema dessa gente, que hoje estão com mais de trinta e dois anos, não. Em pleno século XXI ainda estamos a ameaçar os jovens, evocando a situação do 27 de Maio que não agradou, nem agrada e acho que não devemos passar esse legado para a juventude.
Está satisfeito com o tratamento que é dado aos antigos militares?
Como todos os processos, ele também peca em muitos aspectos e um deles foi o mau enquadramento, avaliação e a definição da pensão de cada um. Há indivíduos que por métodos ilícitos atingiram graus de generais, há quem se mantém com a mesma patente e outros que não conseguem entrar ainda na caixa social. Quanto à pensão de reforma acho que deve ser extensivo aos três movimentos ou quatro e há vezes que esquecem da FNLA que, não obstante o seu desamor pelo MPLA, lutou contra o colonialismo.
Será que só os camaradas do MPLA é que lutaram contra o colonialismo? Não dá esta forma muito sectarizada de vermos as coisas que só nós do MPLA é que devemos beneficiar. Aqui você não vai harmonizar este país se não resolver estes problemas. Isto é como o problema de 27 de Maio.
Porquê que o MPLA evita falar do 27 de Maio?
Estão a atribuir todas as responsabilidades a Agostinho Neto. Mas eu acho que ele era chefe do executivo, e como tal paga sempre a factura mais alta.
Mas eu acho que esses mais velhos que estão bem vivos faziam parte do elenco dele. Agostinho Neto não pegou na AK para matar ninguém e esses mais velhos estavam aonde? Estavam na Igreja a rezar? Não têm responsabilidades? Eles têm que ser coerentes e assumir o problema da mesma forma que beneficiaram das mordomias que eram dadas por Agostinho Neto, eles têm que assumir isso como um problema do MPLA, porque este é um problema do MPLA, não é um problema da nação.
Mas o MPLA não assume…
Tem que assumir. Tem que pegar nas certidões de óbito e entregar às famílias, tem que fazer um plano para ressarcir essas famílias para ver se conseguem restaurar a alma, o físico e beneficiarem alguma coisa disso. Para resolver isso o MPLA tem que pôr um ponto final nisso aqui. Agora se vai adoptar o modelo sul-africano, mas tem que assumir. Tem que evitar que as pessoas especulem à volta disso. Não adianta estarem a vir aqui no Neto, eles também têm responsabilidades para com isto. É preciso dar oportunidades aos que ficaram poderem prosperar.
Não tem que fugir, tem que resolver, está a fugir o quê?
Belisca a sua imagem…
Beliscará mais se houver amanhã, porque este poderio que temos no MPLA amanhã poderemos não ter.
E a cada dia que passa vamos vendo mais que as próprias imagens desses indivíduos estão a ficar degradadas e depois como é que ficam, vão fugir para o Congo?
Fala-se que o MPLA poderá ficar mais 50 anos no poder.
Não acredito muito, porque eu também sou do MPLA. A minha conduta moral e de milhares de outros indivíduos como eu dizem que não. O MPLA sim, mas sem esta direcção que eles têm. Porque o problema do MPLA está na direcção e os órfãos de quem dirige isto aí vão tapando o sol com a peneira e ludibriando o chefe. Vai governar como?
Então uma meia dúzia de pessoas vai governar a nação?
Então acha que há riscos políticos em se associar o presidente à cabeça da lista do partido? Eu acho que não devia arriscar e em 92 foi um bom exemplo, quando tentou fazer a sua campanha sozinho.
O MPLA não teve problemas mas o líder teve problemas e forçou a ida para uma segunda volta. Será que isso é que está a provocar temores hoje para arranjarmos estes artefactos todos de moções de estratégia? Eu se estivesse nas vestes de presidente do partido, eu retirava-me, conforme já anunciei em tempos atrás e não tem que estar a propor candidatos a ninguém. Tem que ajudar o partido a exercer a democracia interna e escolher-se quem será o seu sucessor.
O MPLA que não traz o debate à liça...
Mas é o MPLA ou alguns indivíduos do MPLA que dirigem o partido? Mas falam em nome do partido… Isso tudo depende dos métodos e o estilo que adoptam para buscar os resultados.
Posso conduzir a transição no MPLA
Quem, na sua opinião, dentro do MPLA está em condições de liderar o processo de transição no seu partido?
Eu. Nós somos muitos lá dentro.
Todos aqueles meus colegas que são comissários políticos podem levar isso avante (...) o que não está justo é pensarmos que aquilo é herança e que temos que andar a perpetuar e os órfãos que se tornaram parasitas tentarem tapar o sol com a peneira, degradarem o MPLA conforme estão a degradar e amanhã criarem-nos problemas.
A maka está nos órfãos mas eles são poucos e com grandes fortunas. Você acha que eu e outros milhares ficamos satisfeitos com essas fortunas todas? Acho que a participação foi igual e muitas vezes desigual.
Não acha que se fossem um bocadinho mais justos evitaríamos nos esforçar escrever para lá a aconselhar?
Agora, eu não sou empregado dessa gente, eu sou um cidadão de Angola e estou preocupado com a cidadania e temos que trabalhar no sentido de promover o sentimento de cidadania nos indivíduos dos partidos, onde primeiro está a cidadania e depois os outros interesses.
Não receia que a entrevista que nos concedeu possa levar a que seja chamado à pedra no partido?
Eu sou cidadão de Angola e ficaria muito triste se amanhã me pegassem e me expulsassem de Angola, porque no Zaire não seria aceite. Agora, eu mesmo morto daqui não saio, porque eu não estou a conspirar contra ninguém, porque tenho estado a alertar, porque já sou um quadro sénior dentro partido.
Não receia ser mal interpretado?
Eu já sou. Por isso é que eu estou aqui. Agora, eu só sigo causas justas, não sigo pessoas. Por isso é que não tenho tubarão, não é que eu não tenha oportunidade, não. E seria muito bom que essa gente que tem mania de retaliar os outros pensassem só que todos nós temos famílias. Quando o meu pai foi preso, eu só tinha cinco anos. Hoje eu tenho filhos com quarenta anos.
Acho que, eu morto os meus filhos não hão-de se sentir bem, os meus amigos também, ao menos que me mostrem que aquilo que digo é injusto. Agora, eu não sou criado, não sou servente de nenhum quadro do partido, nem dirigente do governo. Eu sou cidadão de Angola.
Não receia ser tomado como um frustrado?
ambém é uma questão de frustração. Fico preocupado quando me dizem que em Portugal estão 300 milhões de euros? Eu fico frustrado pelo mau fazer que essa gente faz ao povo.
Você acha que devemos dizer que a corrupção é boa e bater palmas?
A corrupção sendo um acto imoral, o MPLA estará a precisar de uma terapia de choque global?
Nós somos muitos lá dentro. Todos aqueles meus colegas que são comissários políticos podem levar isso avante (...) o que não está justo é pensarmos que aquilo é herança e que temos que andar a perpetuar e os órfãos que se tornaram parasitas tentarem tapar o sol com a peneira, degradarem o MPLA conforme estão a degradar e amanhã criarem-nos problemas
O problema do MPLA não está no MPLA, mas na direcção. Enquanto tiverem esta direcção, nós vamos ter problemas sérios, não todos, mas estão lá pessoas que não são exemplos de moral a seguir. Têm que ver que não obstante não gostarem deste ou daquele partido têm que se lembrar que atrás destes partidos está muita gente. E que a má gestão dos nossos interesses, há-de criar sempre fissuras e desestabilização. Não seria bom que em vez de engendrarmos planos maquiavélicos começarmos a ver a nação com olhos de ver e querer resolver os problemas?
Antigos dirigentes do MPLA experimentaram dissabores quando manifestaram as suas opiniões fora do círculo restrito do MPLA. Não teme consequências?
Olha, eu sempre que tenho que votar contra eu voto contra. Se é o caso concreto, quando foi da discussão dos modelos de governação eu votei contra.
Mas no MPLA vota-se de mão levantada…
Mas podes votar contra. Isto passa pelos interesses de cada um de nós. Eu não sou um pau mandado. Quando nasci já nasci do MPLA. Sou um homem de princípios.
Não estou para agradar a João e Adão. Não sou do MPLA para excluir cidadãos e criar instabilidade pelo país fora. Eu não sirvo de uma boca de aluguer como costumam a aparecer uma série de activistas e vêm fazer pronunciamentos para o branqueamento de imagem a troco de dinheiro.
Temos que ser mais sérios para com essa nação.
Vai se engajar na campanha nas próximas eleições para que o MPLA vença?
Vou. Não estou contra o MPLA.
Tenho reservas em relação aos que dirigem o MPLA(...) seria muito bom que o próprio MPLA também visse o problema da sucessão.
Tem participado nos congressos?
Fui aos dois.
Teve oportunidade de levantar esta questão da sucessão?
Não.
Exercendo o seu direito de cidadania não levantou a questão da sucessão?
De forma geral discutimos o assunto nas bases, mas quando chegamos ao congresso temos os nossos portavozes.
Assim fecham-se os canais às reais preocupações das bases…
Houve debates, muitas discussões, mas eu já venho a participar desde o primeiro congresso.
Regista-se alguma evolução desde o primeiro conclave na organização?
Tecnicamente sim, há mudanças, há melhorias. O que a gente quer é ter em conta a essência deste partido em resolver os problemas desta nação.
A forma de eleição no congresso não é um handicap para que os militantes operassem mudanças na direcção do partido? Quando às vezes se ouve falar que muita gente paga para obter um cargo no sítio “X” é complicado.
Inclusivé para ser delegado?
Para ser delegado é muito mais complicado.
E para o comité central?
Para ser já da direcção é aborrecido ouvir que fulano pagou para isso. Já não há aquele rigor que existia.
O MPLA chegou a este estado?
Também oiço na rua. O que é que a gente não ouve na rua? Nunca se discutiu o assunto? -Não acredito que haja motivação para se discutir isso.
Por causa do medo?
Isso passa. Foi sempre assim. Os problemas do MPLA foram sempre com as lideranças.
Que já se arrastam há bastante tempo…
Há um adiar da resolução definitiva desta situação. Não sei onde isto vai parar.
José Meireles e Eugénio Mateus em Catete
25 de Julho de 2011
11:59
Pensar e Falar Angola
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